Pesquisar neste blogue

30/03/2020

Ménade. Fragmento de Baixo Relevo de Pax Iulia, Beja, Portugal.

Este pequeno fragmento, 21, 5 cm, de um relevo, em mármore,  representa a parte inferior do torso e os membros inferiores, de uma Ménade ( termo que deriva do radical do verbo grego    maínomai, que significa mulheres "furiosas", frenéticas, mulheres loucas), trajada com uma veste transparente.  
A posição e abertura dos membros inferiores, com os pés em pontas, refletem um movimento delicado e firme de uma figura feminina dançando, acentuado pelo voluteio das pregas  a que o efeito molhado confere transparência.
Encontrada, no século XVIII, já fora do contexto original, junto aos alicerces da muralha romana de Beja, esta escultura pertenceu à colecção do Bispo Frei Manuel do Cenáculo, que a expôs no Museu Sesinando Cenáculo Pacence, situado junto ao largo do Salvador, em Beja, um museu nos primórdios da museologia em Portugal e, na época, uma referência nos circuitos internacionais  de viajantes eruditos.
Levado para Évora, em 1802, a peça encontra-se exposta no Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo, em Évora. Apoiada numa discreta base, criada pelo escultor eborense João Cutileiro, a qual lhe sublinha o ritmo e elegância da dança. Esta é, como diz Joaquim Caetano, uma das mais belas esculturas do Museu de Évora”.
Segundo a mitologia clássica, as primeiras Ménades foram as ninfas que alimentaram o deus Dionísio/Baco, e são conhecidas como as bacantes divinas. Inspiradas pela embriaguez, cantam e dançam freneticamente até serem possuídas por um êxtase místico. Representam-se nuas ou vestidas com véus ligeiros que mal lhes dissimulam a nudez. Em grupo de nove, dançam coroadas de hera, e trazem na mão um tirso, por vezes um cântaro, ou então tocam um instrumento, como uma flauta de dois tubos ou um tamborim.
Os seus rituais de danças frenéticas e gritos ruidosos, que incluíam a dilaceração e  refeição de animais selvagens, não ocorriam em nenhum templo, que dele não necessitavam. O culto era prestado em lugares montanhosos e  florestas densas, onde, afastadas dos homens e sem a presença de olhares de censura, realizavam o festim de excessos e lascívia, convivendo com seu deus, que as presenteava com leite de cabra e bagas, entre outras iguarias.
As bacantes, nome que as Ménades tomam em Roma, onde Dionísio se chama Baco, são   muito populares em tempos de Augusto, de tal modo que Virgílio, na Eneida, ao relatar a reação de Dido, a rainha de Cartago, quando descobre que os troianos se preparam para partir sem dizer nada, compara a sua reação de loucura e furor, inspirada simultaneamente por forças externas e internas, a uma ménade: “Privada de razão, encoleriza-se e vagueia como louca por toda a cidade, como uma Tíade (bacante) excitada pela preparação das cerimónias rituais, quando, ao ouvir o nome de Baco, a incitam as orgias trienais e, pela noite, o monte Citéron a chama aos brados.” (Vírgilio 4.300-3)

Neste delicado fragmento de relevo é sensível uma linguagem plástica do primeiro classicismo (século V a.C.) que apreendemos através da transparência sensual das vestes e da sensação de movimento, linguagem que seria recuperada na época do imperador Augusto (31 a.C. - 14 d.C.), período em que foi, certamente, executada essa peça. 
Muitas dúvidas permanecem sobre essa escultura. Que elemento decorativo seria? Estaria suspensa como parte de um oscillum? Em que espaço se aplicava? Um edifício público de Pax Iulia, num edifício privado? 
Helena Paula Carvalho diz que “a ménade talvez estivesse a decorar uma residência privada (um jardim por exemplo), mas é difícil não imaginar outras hipótess”. [p. 106]
Não vislumbro eu o ponto da cidade de onde veio esta magnífica peça que, na Idade Média, como outras, foi considerada desperdício civilizacional e em gesto (talvez impensado) foi objecto de damnacio memoriae e usada como pedra para construir a muralha.  Mas ficando nas hipóteses, estaria lá, em lugar onde as culturas se conjugavam, onde a narração de relatos dos cerimoniais frenéticos destas mulheres adoradoras do deus Bákkos, com seu adorado (o único que do panteão olímpico desce para se misturar com humanos) tivesse entendimento e fizesse sentido. 
Pouco importa, o local; é uma evidência mais do cosmopolitismo cultural de Pax Iulia, em tempos de Augusto.

Bibliografia

GONÇALVES, Luís Jorge Rodrigues, 2007 "Escultura romana em Portugal: uma arte do quotidiano", Studia Lusitana, IIVolume 1, n.º 115 pp 262.264- Vol. 2 p. 83, . Museo Nacional de Arte Romano; Mérida. (por toda bibliografia anterior)
CARVALHO, Helena Paula Abreu, 1992, " A Esculturas Romana em Portugal: um ensaio de Arqueologia Social, Universidade dos Açores, 1992 , pp 116.

24/03/2020

Pé de estátua couraçada colossal de Pax Iulia, Beja, Portugal




Foi Abel Viana, em 1946, que pela primeira vez publicou este pé de estátua couraçada, classificando-o como “pé votivo”, sem fornecer qualquer indicação sobre o local e o contexto de achado [VIANA, Abel, 1946].
Pé de estátua couraçada colossal de Pax Iulia, Beja
Séc. I d. C (meados)
Foto: M. Conceição Lopes@
O “pé heróico”, como o designou Luís de Matos [MATOS; Luís, 1996], é um fragmento  da parte dianteira de um pé direito, calçado com uma crepida ricamente decorada, deixando nua a extremidade do pé, conforme à tradição grega. Este pé, com 24 cm de comprimento (34, 5 com a base), assenta num soclo com c. 10 de altura. A decoração da crepida apresenta na  parte superior as cordas entrecruzadas que apertam no tornozelo e, lateralmente, uma cuidada decoração compósita de semicírculos bordejando as cordas e um ramo de acanto decorado com roseta, palmetas e pétalas de lótus. Uma fita ajusta os dedos, os quais se apresentam bastante danificados, todavia, deixando perceber as marcas das falanges. Entre o halux  e o segundo dedo passava a tira que fixava a sola, alta de 2 cm, à parte superior da crepida, como se percebe pelo pequeno vestígio que dela resta.
Em Conimbriga, foi identificado um fragmento de um pé esquerdo que Adília Alarcão considerou ter pertencido a estátua couraçada e colossal  de um imperador, venerada no forum
Havia em Pax Iulia edifícios importantes, como revelam as escavações recentes, e havia esculturas colossais que com eles se colocavam. Algumas inscrições, gravadas em pedestais de estátuas, conduzem-nos a templos, como aquele  do culto a luventus  ou Iuventas, que se localizava sobre o capitólio. Outras trazem-nos a lembrança de honras feitas a cidadãos, recordando  uma delas  que a população, por subscrição pública, tornou público o seu agradecimento a Gaio Júlio Pedão (IRCP, 239], duúnviro, flâmine dos divinos imperadores, por ter administrado bem a república e ter auxiliado com dinheiro.
Continuando com as inscrições que se recolheram no aglomerado urbano de Pax Iulia,  e que José d'Encarnação tão sabiamente nos tornou legíveis, há, também, aquela, de enormes dimensões, que apresenta  Gaio Júlio [IRCP, 233], que segundo uns é um magistrado, mais um, que terá distribuído benesses à população, a homens e mulheres e, que, de acordo com outros é um magistrado que pertenceu ou presidiu a uma das duas assembleias de notáveis, a dos cidadãos e a dos indígenas, que terão co-existido na cidade.
Num pedestal de estátua, nalguma zona nobre da cidade, o escravo Modestus imortalizou o edil M. Clódio Quadrado [IRCP, 237] e noutro inscreveram os libertos públicos a sua homenagem a Décimo Júlio Saturnino [IRCP, 240].
Caminhando um pouco mais pelas ruas e andado para a entrada das portas da cidade, lá onde repousam os morto, estava, em certo tempo, o tristíssimo epitáfio, em forma de poema, que os familiares dedicaram a Nice que viveu apenas 20 anos.
«Quem quer que tu sejas, viandante, que passares por mim, neste lugar sepultada,
se de mim tiveres pena — depois de teres lido que faleci no vigésimo ano de vida —
e se o meu descanso te sensibilizar, rogarei que, fatigado, tenhas mais doce descanso,
mais tempo vivas e longamente envelheças nesta vida que não me foi lícito desfrutar.
Chorar, de nada te serve. Porque não aproveitas os anos?
Ínaco e Io mandaram fazer para mim.
Vai, é preferível, apressa-te, agora que já leste o que tinhas para ler. Vai.
Nice viveu vinte anos».
Regressados ao forum, a praça principal da cidade, em algum dos edifícios públicos, no século I d.C, terá sido levantada a colossal estátua couraçada, muito certamente de um imperador, à qual pertenceu este pé.
Executado por um artista qualificado, que poderá ter trabalhado no programa iconográfico do centro monumental de Pax Iulia, talvez, em tempos de Cláudio, quando se davam os retoques finais do programa de reconfiguração da cidade iniciado um pouco antes por seu tio, o imperador Tibério, cujo templo de culto imperial se apresenta como obra notável no forum.
Nenhuma inscrição nos trouxe, até hoje, a certeza do local exacto de onde estava a estátua que, apoiada neste pé, pela sua altura, certamente observava toda a cidade. Mas, fixando-nos em tão extraordinária peça, são as palavras certas de Augusto que dela se propagam em silencioso eco pela cidade: Em tudo o que fizeres apressa-te lentamente.
Pé de estátua couraçada colossal  sobre o azulejo
Museu Regional de Beja
Foto. M. Conceição Lopes






VIANA, Abel, 1946, "Arte romano-Visigótica", Achivo Español de Arqueologia, 19, p.100, fig. 15a.

MATOS, José Luís, , 2007, 1966, Subsídios para um catálogo da escultura luso-romana, p. 127.

GONÇALVES, Luís Jorge Rodrigues, "Escultura romana em Portugal: uma arte do quotidiano", Studia Lusitana, IIVolume 1, n.º 38, pp 146-147, Vol. 2 p. 39, . Museo Nacional de Arte Romano; Mérida

LOPES, M. Conceição, 2019, "Pelo pé colossal de pax Iulia", Kairós. Boletim do Centro de Estudos em Arqueologia, Artes e Ciências do Património, Vol. 1, pp. 57-59, Setembro, 2019, Coimbra



23/03/2020

Afrodite de Aphrodisias, Pax Iulia, Portugal


 Numa herdade em Beringel (Misericórdia’), pertencente ao Eng-º Mira Galvão, em 1923, no decurso de trabalhos agrícolas, recolheu-se um torso de uma estatueta, que Abel Viana, de acordo com a notícia publicada no Diário de Lisboa, de 27 de Fevereiro de 1943, considerou ser " a mais delicada e amorosa peça de estatuária romana até agora encontrada em Portugal”, relacionando-a com o culto de Vénus de Afrodite. 
Abel Viana assegurou que a pequena peça desse entrada no Museu Regional de Beja, onde hoje se encontra.Trata-se, na realidade, de uma representação de Aphrodite de Aphrodisias da qual se conserva a parte inferior do corpo, desde a cintura até ao tornozelo. Afrodite de Aphrodisias é a vinculação do culto de uma antiga deusa da fertilidade, da Anatólia, ao panteão helénico.   De acordo com a iconografia de Aphrodite de Aphodisias, cujo protótipo é a cópia de uma estátua colossal, de época helenística, encontrada no Boleuterium (casa do Conselho) da importante cidade de Aphrodisias (Turquia), a figura usaria um véu, preso numa coroa alta sobre o cabelo, uma veste fina, sobreposta de uma túnica (chiton), mais grossa e decorada. A decoração frontal da túnica repartia-se por uma área do peito e quatro faixas inferiores, correspondendo em cada uma delas uma decoração figurativa respeitante a diferentes aspectos de Afrodite.  Na parte exterior apenas surgem, bem desenhadas, as pregas que correspondem ao véu.
Da estatueta de Beringel não se conservaram a cartela do peito, onde estaria representada uma meia lua invertida entre os seios, e a primeira  faixa onde deveriam figurar Selénio (lua) e Helio (sol).  A segunda faixa tem representadas as três Graças, (suas assistentes), entre duas cornucópias, a terceira expõe Afrodite a montar um cavalo ou um bode do mar com tritões  e  a quarta  reproduz três Erotes  alados (seus filhos e agentes), o do meio figurado como lançador de setas.
A estatueta de Beringel, segue o protótipo canónico, sendo um dos 19 exemplares conhecidos, dos quais 11 são de Itália (Óstia e Roma) e desconhecendo-se qualquer  outro paralelo na Hispânia. 
 É uma obra de grande qualidade, importada de Roma, ao tempo do Imperador Adriano (século II d. C) . Segundo Robert Turcan, na ápoca de Adriano vários escultures de Afrodisias terão estado na capital do império a trabalhar na decoração da villa Adriana, como sugere o epitáfio do escultor Zenão, conservado no Vaticano, e a eles se deve atribuir a responsabilidade  da execução destas esculturas que se terão difundido pelo Mediterrâneo Central e Ocidental. A de Beringel terá chegado via Óstia.
O local de achado, uma propriedade rural (o que constitui raridade), está, certamente, ligado com um culto privado a Afrodisias, devendo a divindade ocupar um pequeno altar no interior da residência.
Outros testemunho dos cultos orientais na civitas de Pax Iulia, atestados por inscrições a Cibele ( IRCP. 289), Isis (IRCP. 338), Mitra (IRCP. 339) e (Serápis, I RCP. 231), datados de meados do século II, alinham com um ambiente de celebração dos cultos orientais  na capital do conventos Pacensis, conferindo à cidade um cosmopolitismo evidente, anotado, também, por outras inscrições e obras de arte. 

02/01/2019

CASA DA MOEDA de BEJA

Casa da moeda de Beja
Em Junho de 1920, no Boletim do Municipio de Beja escrevia-se sobre a Casa da Moeda de Beja: A Rua da Moeda, tirou o nome de, em um prédio se haver executado o fabrico ou a simples carimbarem da moeda? Qual é o prédio? Ignoramos; como , por falta de documentos, desconhecemos muitas outras cousas da nossa terra, cuja preocupação parece ter sido sempre, fazer desaparecer, vandalicamente, tudo que indique o modo de ser, pensar e sentir d'outrora; tudo enfim que é arte e à história interessa.
Oh! mas daqui a anos, quando em Portugal o turismo fôr uma realidade e a verdadeira civilização se houver espalhado por todas as classes, amaldiçoados serão os decendentes dos hunos, que por estupidez e sectarismo, tantas riquezas tem aniquilado, destruindo as testemunhas oculares das nossas glórias e grandezas passadas, apagando preciosos vestígios da evolução das artes, reduzindo aos nada os monumentos que tantos factos atestavam e tamanhas dificuldades podiam aplanar a quem se dedica ao difícil lavor da história!

Entramos em 2019 sem lugar alcançar os apoios necessários para preservar a casa da moeda de Beja, instalada em 1521, e tratar o material exumado.
Tratando-se de um das mais interessantes contextos arqueológicos de Portugal, e um dos únicos assim preservado no mundo, seria normal que quase 100 anos depois se não tomasse como actual o texto do Boletim do Município de Beja.
Face ao total alheamento das vontades e os dos poderes culturais e políticos para uma estrutura capaz de valorizar  atrair gentes á região, partimos para o estudo e a publicação daquilo eu conseguimos salvar. Mas partimos sem meios e algumas procedimentos, como as análises arqueométricas, absolutamente necessárias para esses estudo, custam dinheiro (dinheiro que não temos).
 Assim, iniciamos 2019 dando início a uma campanha de crowdfunding, para angariar os meios necessários para tornar público este fantástico achado.
Apelamos a todos que nos ajudem e que possamos fazer deste trabalho um verdadeiro trabalho de ciência cidadã, pois todos os que colaborarem terão o seu contributo registado nos respectivos estudos. Seremos todos participantes.


02/02/2018

As villae , a destruição, o estudo e o resto mais que se lhe aluga


A  agricultura monótona e intensiva que está a implementar-se no Alentejo está a alterar de modo dramático e a paisagem construída ao longo de milénios ,sobretudo nas terras profundas dos barros de Beja.

Originada há muitos séculos, a paisagem do território alentejano é a herança transmitida de um longo processo de transformação da epiderme da terra e a história de uma forma harmoniosa de relação do homem com o meio ambiente. Logo abaixo da superfície, assuando às vezes nas cores distintas do coberto vegetal, ou no olhar atento das fotografais aéreas, estão preservados os testemunhos daqueles que desde um tempo sem conta nos transmitiram os saberes de amanhar a terra e os poderes dos que cultivando se foram construindo em colectivo cultural.
 
Quem estuda a dinâmica dos campos e os sistemas agrários sabe que outras transformações houve; e nem precisamos de recuar muito no tempo para sabermos como foram dramáticos para a terra e suas gentes  certas formas de apropriação da terra. 

Hoje, assistimos a novas formas de exploração e de posse da terra. Neste novo tempo, os senhores da terra descartam essas heranças, ignorando o quanto elas são parte do nosso ser e tamanhos instrumentos do saber.
 
Reclamamos contra a destruição das materialidade antigas do mesmo modo que nos rejubilámos com a construção da barragem do Alqueva. Celebrámos modernidade quando a terra se esventrou para fazer passar condutas que sem apelo nem dó destruíram bem delineadas redes de regadio, onde condutas e poços serpenteavam pelos campos que na época romana e muçulmana eram irrigados. Novos acessos descartam os antigos percursos e as formas parcelares com origem antes dos romanos sucumbem sob os profundos rasgos que máquinas disformes abrem no chão.
 
O que hoje assistimos não é apenas a destruição de vestígios da antiguidade é, também, uma forma construída no tempo longo do homem se relacionar como seu meio ambiente, do homem dar corpo à sua cultura ancestral.
 
Por isso, é necessário lançar o alerta e reagir. É necessário protestar e exigir que as leis mudem.
A melhor forma de lutar é ter armas poderosas. Contra as máquinas o neoliberalisomos que o Alqueva abriu à exploração da terra, o  conhecimento é a nossa amei poderosa arma. Exigir que o conhecimento seja chamado a participar nas decisão sobre os projectos que mudam a superfície da terra, que aniquilam o palco onde a nossa cultura está em cena é uma luta maior.
O Alentejo tem testemunhos múltiplos para trazer para discussão. Das vilas romanas ao Couto de Serpa há toda um conjunto de vinculações  à terra que se podem convocar.
 
o mundo agrário da antiguidade é um mundo de interesse sem fim. Mas é preciso estudar muito para se perceber ; e trabalhar mais ainda para se conhecer.

Repito aqui , em modo breve, o que creio poder esclarecer sobre o sentido do termo villa:
 Para Tito Lívio (Hist.Rom., II, 62-3) e Tácito (Hist. V, 23, 15; IV, 67, 7; Ann., III, 46, 7), villa era qualquer tipo de residência dispersa pelo campo. Varrão (R.r., II, 2; III, 5), que nos introduz numa pormenorizada discussão sobre o significado de um termo genérico com múltiplas acepções, dá-nos uma melhor caracterização deste tipo de estabelecimentos. Contrariando a definição de Tito Lívio e Tácito, afirma que o facto de um edifício se situar fora da cidade não significa, necessariamente, que se trate de uma villa - nam quod extra urbem est aedificium nihilo magis ideo est villa (R.r III, 2). Seguidamente, acrescenta que, sem um fundus bem cultivado e de superfície importante, não existe villa - et quam villa non sit sine fundo magno, et eo polite cultura...(R.r III, 2).
Para Columela, a villa era composta por três partes: pars urbana, destinada à residência do proprietário, pars rustica, destinada a alojar os criados da lavoura e pars frumentaria, que era o conjunto dos edifícios destinados à transformação e reserva de produtos e recolha de animais (adega, celeiro, lagares, eira, estábulos, etc.). Na definição de Varrão, a pars urbana e a pars rustica de Columela são designadas por villa urbana e villa rustica, o que tem, em nosso entender, provocado alguns equívocos, pois tem servido para fundamentar diversas categorias tipológicas relacionadas com as villae 11.

O termo reveste-se de um grau importante de subjectividade e o conceito de villa tem sido aplicado de maneira indiscriminada aos sítios rurais da época romana.
Por villa entendemos um estabelecimento rural disperso à cabeça de um domínio
Caracterizamo-la como uma unidade de exploração agro-pastoril constituída por dois elementos indissociáveis: conjunto de edifícios habitacionais, de armazenamento, de transformação e estábulos e uma propriedade fundiária, contínua ou descontínua.
Devendo a villa ser entendida no indissociável binómio, edifícios e fundus, afigura-se-nos pouco razoável que se valorize superlativamente um dos elementos da composição e se classifiquem estes estabelecimentos com base em critérios que incidam apenas na configuração dos edifícios
Para Columela, a villa era composta por três partes: pars urbana, destinada à residência do proprietário, pars rustica, destinada a alojar os criados da lavoura e pars frumentaria, que era o conjunto dos edifícios destinados à transformação e reserva de produtos e recolha de animais (adega, celeiro, lagares, eira, estábulos, etc.). Na definição de Varrão, a pars urbana e a pars rustica de Columela são designadas por villa urbana e villa rustica, o que tem, em nosso entender, provocado alguns equívocos, pois tem servido para fundamentar diversas categorias tipológicas relacionadas com as villae 11.
O termo reveste-se de um grau importante de subjectividade e o conceito de villa tem sido aplicado de maneira indiscriminada aos sítios rurais da época romana.
Por villa entendemos um estabelecimento rural disperso à cabeça de um domínio
Caracterizamo-la como uma unidade de exploração agro-pastoril constituída por dois elementos indissociáveis: conjunto de edifícios habitacionais, de armazenamento, de transformação e estábulos e uma propriedade fundiária, contínua ou descontínua.
?Devendo a villa ser entendida no indissociável binómio, edifícios e fundus, afigura-se-nos pouco razoável que se valorize superlativamente um dos elementos da composição e se classifiquem estes estabelecimentos com base em critérios que incidam apenas na configuração dos edifícios. [M. C. Lopes / A cidade romana de Beja, pp. 223, 224 e 227].

Se invoco este tema aqui é porque me parece pouco acertado que nas denúncias que fazemos (justa e obrigatoriamente fazemos)  se privilegiem os edifícios e se esqueça o  fundus, porque este era  organizado de modo orgânico e engenhosamente marcado em relação com a sociedade agro-pastoril que o enquadrava. É porque se tem tendência a criar um campo cheio de edifícios agrícolas, pertença de senhores, mas vazio de  agricultores, isento da terra que cultivam e do modo como cultivam.
Os sistemas agrários e, conexamente os sistemas de regadio, fazem parte da villa, destrui-los, ignorá-los enferma do mesmo procedimento que apenas se preocupa em escavar  a parte urbana das villae e  a das cidades, em procurar os mosaicos, mas  ignora as casas rasas com chão de terra batida, em mostrar os cacos bonitos, os importados e os de grande qualidade técnica, mas ignora a cerâmica comum, remetendo-a para para o fundo dos contentores e limpando-a dos estudos; que  mostra (n)os cemitérios  materiais e inscrições mas que esquece que há necrópoles associadas às villae. Selecionar os documentos com que se constrói a história do homem, pela sua aparência, no caso do espaço agrário das sociedades antigas,  é retirar a um grupo imenso de indivíduos o direito à história.
A villa de fonte dos frades em foto de 1995, tinha um impressionante sistema de regadio cuja origem remontava longe e se perpetuou, mesmo com a campanha do trigo. Nada resta e, todavia, a água é o tema base da contemporaneidade.

O mesmo acontecia na villa da Cegonha, aqui ilustrada.

Porque o conhecimento é o nosso mais forte aliado, vale a pena fazer o esforço para nos informarmos.

Deixo aqui para consultar estas obras que muito nos podem ajudar.  

G. Chouquer, Les catégories de droit agraire à la fin du IIe s. av. J.-C., Ouvrage édité par l´Observatoire des formes du foncier dans le monde, FIEF (Ordre des Géomètres-Exper ts)  Paris, décembre 2016
https://ager.hypotheses.org/1330

G. Chouquer, La Terre Dans Le Monde Romain.Anthropologie, droit, géographie
https://digitalis.uc.pt/ptpt/livro/la_terre_dans_le_monde_romain_anthropologie_droit_géographie














----- Finalizar mensagem reenviada -----


----------------------------------------------------------------
This message was sent using IMP, the Internet Messaging Program.



17/08/2017

ESCAVAÇÕES NA RUA DA MOEDA/RUA DOS ESCUDEIROS — BEJA

 ESCAVAÇÕES NA RUA DA MOEDA/RUA DOS ESCUDEIROS — BEJA

DE 28 DE AGOSTO A 1 DE SETEMBRO


Retomaremos as escavações no Logradouro do edifício do futuro Centro de Arqueologia em Beja

Será uma campanha de escavações com uma duração curta dado que se objectiva exclusivamente escavar contextos selados, necessários para resolver algumas questões relacionadas com a precisão cronológico dos edifícios do forum romano e a conformação temporal detalhada tanto quanto for possível dentro dos quadros já determinados. A escavação do corte aqui representado (e na planta localizado), neste contexto, constitui uma prioridade; pretende-se verificar se é possível ainda determinar com maior exactidão os momentos das intervenções no templo de Augusto.
          É, como se pode verificar, um corte com mais e 2,5 metros de profundidade e será escavado em 7 metros de altura.
Trata-se de arqueologia no quadro do projecto científico Arqueologia das Cidades de Beja. 

Contamos com o apoio da Câmara Municipal de Beja.

Á semelhança dos outros anos acolhemos jovens estudantes da cidade que queiram voluntariamente participar. 

inscrições em: arqueologiadascidadesdeBeja@sapo.pt

20/07/2017

Arqueologia do Concelho de Serpa / 20 anos depois.


Há 20 anos, em 1997 publicava-se a obra que haveria de apresentar, de modo interpretado, os dados arqueológicos revelados na superfície da terra do concelho de Serpa.

"A carta Arqueológica de Serpa nasceu de uma proposta da Câmara Municipal a um dos autores quando este se dirigiu à entidade solicitando apoio para trabalho de prospecção no concelho, tendente integrar esse estudo num mais abrangente sobre o território de Pax Iulia".

O autor era Maria da conceição Lopes e o autarca João Rocha, actual presidente de Câmara de Beja.

Os apoios para o trabalho de campo permitiram percorrer todo o espaço do concelho e para nele participar para a contratação de Pedro Carvalho e Sofia Gomes.

"A importância dos dados recolhidos, quer por si mesmos, quer pelo conjunto, tornaram evidente que não era legítimo qua apenas se elaborasse um catálogo de sítios e achados do concelho, cuja tradução, enquanto instrumento de trabalho, serviria especialistas interessados na arqueologia da região e a autarquia enquanto gestora dos seus bens arqueológicos".

A Arqueologia do Concelho de Serpa haveria, por isso, de reunir especialistas de várias arqueologias para colaborar na publicação dos dados Jorge Alarcão, José de Encarnação, Raquel Vilaça e Helena Catarino.

A Arqueologia do Concelho de Serpa é, ainda hoje, uma marca importante no registo e divulgação arqueológica de qualidade. Uma ferramenta de trabalho, certamente desactualizada no que respeita ao número de sítios, sobretudo pelos trabalhos de Alqueva (para os quais foi profunda e globalmente usada, refletindo bem o carácter público desta investigação) mas, ainda assim, absolutamente actual pelo método de recolha, modo de registo e qualidade de divulgação.

Feita num tempo em que os computadores eram objectos de luxo, a revelação de fotos caríssima, a qualidade gráfica e ilustrações da obra marcam, também elas, a diferença relativamente ao que então se fazia.

A Arqueologia e a sua importância social, ou a transferência para a comunidade, como hoje se diz, não é para nós, uma moda ou uma postura de interesse, está bem claramente refletida nesta obra, quando disso se não falava.
" ...a nossa intenção e a da autarquia foram coincidentes. Deveria ser preparado um trabalho que satisfizesse simultaneamente os interesses da comunidade científica, da autarquia e da comunidade em geral . Isto é, sem perder o rigor científico, era necessário disponibilizar, sob forma de publicação uma visão do concelho e da sua arqueologia".

"Percorrido o campo, registadas as memórias, proposta a realidade possível dos homens de outros tempos, alguns dos quais conhecemos pelo nome, imortalizado nos seus epitáfios ou no de algum dos seus, ou nos votos que fizeram aos deuses, eis oq eu, sob a form de livro, devolvemos, aos homens de hoje e ao concelho de Serpa"


Retemos sempre o que  escreveu o Professor Jorge de Alarcão na página de apresentação


A villa branca de Serpa, tão cheia de Luz, tem escuro o seu passado.... Em cinco. meses de trabalho de campo , Pedro Carvalho e Sofia Gomes, sob orientação de M. Conceição Lopes, identificaram três centenas de moradas que o delgado chão alentejano mal oculta e todavia jazem deslembradas. ... Não terão visto tudo. Mas quem pode pretender ter feito uma inventário exaustivo do património Arqueológico? Sempre um pastor, um lavrador , um caçador que são homens mais chegados à terra, descobrirão novos lugares, denunciados por talhões ou por escórias, por louças estilhaçadas ou moedas.

              Fica feito o inventário , que anuncia muitos lugares de interesse: dormiam quase todos na quietude de um esquecimento do qual esta obra agora os faz sair."