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02/02/2018

As villae , a destruição, o estudo e o resto mais que se lhe aluga


A  agricultura monótona e intensiva que está a implementar-se no Alentejo está a alterar de modo dramático e a paisagem construída ao longo de milénios ,sobretudo nas terras profundas dos barros de Beja.

Originada há muitos séculos, a paisagem do território alentejano é a herança transmitida de um longo processo de transformação da epiderme da terra e a história de uma forma harmoniosa de relação do homem com o meio ambiente. Logo abaixo da superfície, assuando às vezes nas cores distintas do coberto vegetal, ou no olhar atento das fotografais aéreas, estão preservados os testemunhos daqueles que desde um tempo sem conta nos transmitiram os saberes de amanhar a terra e os poderes dos que cultivando se foram construindo em colectivo cultural.
 
Quem estuda a dinâmica dos campos e os sistemas agrários sabe que outras transformações houve; e nem precisamos de recuar muito no tempo para sabermos como foram dramáticos para a terra e suas gentes  certas formas de apropriação da terra. 

Hoje, assistimos a novas formas de exploração e de posse da terra. Neste novo tempo, os senhores da terra descartam essas heranças, ignorando o quanto elas são parte do nosso ser e tamanhos instrumentos do saber.
 
Reclamamos contra a destruição das materialidade antigas do mesmo modo que nos rejubilámos com a construção da barragem do Alqueva. Celebrámos modernidade quando a terra se esventrou para fazer passar condutas que sem apelo nem dó destruíram bem delineadas redes de regadio, onde condutas e poços serpenteavam pelos campos que na época romana e muçulmana eram irrigados. Novos acessos descartam os antigos percursos e as formas parcelares com origem antes dos romanos sucumbem sob os profundos rasgos que máquinas disformes abrem no chão.
 
O que hoje assistimos não é apenas a destruição de vestígios da antiguidade é, também, uma forma construída no tempo longo do homem se relacionar como seu meio ambiente, do homem dar corpo à sua cultura ancestral.
 
Por isso, é necessário lançar o alerta e reagir. É necessário protestar e exigir que as leis mudem.
A melhor forma de lutar é ter armas poderosas. Contra as máquinas o neoliberalisomos que o Alqueva abriu à exploração da terra, o  conhecimento é a nossa amei poderosa arma. Exigir que o conhecimento seja chamado a participar nas decisão sobre os projectos que mudam a superfície da terra, que aniquilam o palco onde a nossa cultura está em cena é uma luta maior.
O Alentejo tem testemunhos múltiplos para trazer para discussão. Das vilas romanas ao Couto de Serpa há toda um conjunto de vinculações  à terra que se podem convocar.
 
o mundo agrário da antiguidade é um mundo de interesse sem fim. Mas é preciso estudar muito para se perceber ; e trabalhar mais ainda para se conhecer.

Repito aqui , em modo breve, o que creio poder esclarecer sobre o sentido do termo villa:
 Para Tito Lívio (Hist.Rom., II, 62-3) e Tácito (Hist. V, 23, 15; IV, 67, 7; Ann., III, 46, 7), villa era qualquer tipo de residência dispersa pelo campo. Varrão (R.r., II, 2; III, 5), que nos introduz numa pormenorizada discussão sobre o significado de um termo genérico com múltiplas acepções, dá-nos uma melhor caracterização deste tipo de estabelecimentos. Contrariando a definição de Tito Lívio e Tácito, afirma que o facto de um edifício se situar fora da cidade não significa, necessariamente, que se trate de uma villa - nam quod extra urbem est aedificium nihilo magis ideo est villa (R.r III, 2). Seguidamente, acrescenta que, sem um fundus bem cultivado e de superfície importante, não existe villa - et quam villa non sit sine fundo magno, et eo polite cultura...(R.r III, 2).
Para Columela, a villa era composta por três partes: pars urbana, destinada à residência do proprietário, pars rustica, destinada a alojar os criados da lavoura e pars frumentaria, que era o conjunto dos edifícios destinados à transformação e reserva de produtos e recolha de animais (adega, celeiro, lagares, eira, estábulos, etc.). Na definição de Varrão, a pars urbana e a pars rustica de Columela são designadas por villa urbana e villa rustica, o que tem, em nosso entender, provocado alguns equívocos, pois tem servido para fundamentar diversas categorias tipológicas relacionadas com as villae 11.

O termo reveste-se de um grau importante de subjectividade e o conceito de villa tem sido aplicado de maneira indiscriminada aos sítios rurais da época romana.
Por villa entendemos um estabelecimento rural disperso à cabeça de um domínio
Caracterizamo-la como uma unidade de exploração agro-pastoril constituída por dois elementos indissociáveis: conjunto de edifícios habitacionais, de armazenamento, de transformação e estábulos e uma propriedade fundiária, contínua ou descontínua.
Devendo a villa ser entendida no indissociável binómio, edifícios e fundus, afigura-se-nos pouco razoável que se valorize superlativamente um dos elementos da composição e se classifiquem estes estabelecimentos com base em critérios que incidam apenas na configuração dos edifícios
Para Columela, a villa era composta por três partes: pars urbana, destinada à residência do proprietário, pars rustica, destinada a alojar os criados da lavoura e pars frumentaria, que era o conjunto dos edifícios destinados à transformação e reserva de produtos e recolha de animais (adega, celeiro, lagares, eira, estábulos, etc.). Na definição de Varrão, a pars urbana e a pars rustica de Columela são designadas por villa urbana e villa rustica, o que tem, em nosso entender, provocado alguns equívocos, pois tem servido para fundamentar diversas categorias tipológicas relacionadas com as villae 11.
O termo reveste-se de um grau importante de subjectividade e o conceito de villa tem sido aplicado de maneira indiscriminada aos sítios rurais da época romana.
Por villa entendemos um estabelecimento rural disperso à cabeça de um domínio
Caracterizamo-la como uma unidade de exploração agro-pastoril constituída por dois elementos indissociáveis: conjunto de edifícios habitacionais, de armazenamento, de transformação e estábulos e uma propriedade fundiária, contínua ou descontínua.
?Devendo a villa ser entendida no indissociável binómio, edifícios e fundus, afigura-se-nos pouco razoável que se valorize superlativamente um dos elementos da composição e se classifiquem estes estabelecimentos com base em critérios que incidam apenas na configuração dos edifícios. [M. C. Lopes / A cidade romana de Beja, pp. 223, 224 e 227].

Se invoco este tema aqui é porque me parece pouco acertado que nas denúncias que fazemos (justa e obrigatoriamente fazemos)  se privilegiem os edifícios e se esqueça o  fundus, porque este era  organizado de modo orgânico e engenhosamente marcado em relação com a sociedade agro-pastoril que o enquadrava. É porque se tem tendência a criar um campo cheio de edifícios agrícolas, pertença de senhores, mas vazio de  agricultores, isento da terra que cultivam e do modo como cultivam.
Os sistemas agrários e, conexamente os sistemas de regadio, fazem parte da villa, destrui-los, ignorá-los enferma do mesmo procedimento que apenas se preocupa em escavar  a parte urbana das villae e  a das cidades, em procurar os mosaicos, mas  ignora as casas rasas com chão de terra batida, em mostrar os cacos bonitos, os importados e os de grande qualidade técnica, mas ignora a cerâmica comum, remetendo-a para para o fundo dos contentores e limpando-a dos estudos; que  mostra (n)os cemitérios  materiais e inscrições mas que esquece que há necrópoles associadas às villae. Selecionar os documentos com que se constrói a história do homem, pela sua aparência, no caso do espaço agrário das sociedades antigas,  é retirar a um grupo imenso de indivíduos o direito à história.
A villa de fonte dos frades em foto de 1995, tinha um impressionante sistema de regadio cuja origem remontava longe e se perpetuou, mesmo com a campanha do trigo. Nada resta e, todavia, a água é o tema base da contemporaneidade.

O mesmo acontecia na villa da Cegonha, aqui ilustrada.

Porque o conhecimento é o nosso mais forte aliado, vale a pena fazer o esforço para nos informarmos.

Deixo aqui para consultar estas obras que muito nos podem ajudar.  

G. Chouquer, Les catégories de droit agraire à la fin du IIe s. av. J.-C., Ouvrage édité par l´Observatoire des formes du foncier dans le monde, FIEF (Ordre des Géomètres-Exper ts)  Paris, décembre 2016
https://ager.hypotheses.org/1330

G. Chouquer, La Terre Dans Le Monde Romain.Anthropologie, droit, géographie
https://digitalis.uc.pt/ptpt/livro/la_terre_dans_le_monde_romain_anthropologie_droit_géographie














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