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15/04/2023

Cidades Romanas do conventus pacensis em diálogo no sudoeste peninsular.

No corrente ano de 2023 cumprem-se 50 anos desde a primeira edição de Portugal Romano, de Jorge de Alarcão, obra mater da Arqueologia Romana em Portugal. 
Para comemorar esse marco determinante para a arqueologia portuguesa e para o Instituto de Arqueologia da UC, o Centro de Estudos em Artes, Arqueologia e Ciências do Património (CEAACP), de que fazem parte as Universidades de Coimbra, do Algarve e o Campo Arqueológico de Mértola, vai realizar um evento sobre as cidades romanas do Sul de Portugal, que serão discutidas em confronto com as cidades romanas vizinhas do lado espanhol. Um Encontro Internacional, com  o título 
Cidades Romanas do conventus pacensis em diálogo no sudoeste peninsular, irá realizar-se no próximo dia 11 de maio em Faro, antiga cidade de Ossonoba, com visita no dia seguinte a Myrtilis, nome da antiga cidade romana de Mértola. 



Pax Iulia a actual cidade de Beja era a capital do conventus pacensis
É em tempos de César, em meados do séc. I a. C,  que  o antigo e grande aglomerado urbano recebe os primeiros equipamentos urbanos instalados pelos romanos. Desde então, tomando a zona monumental do forum e as inscrições como parâmetro, o antigo aglomerado vai implementando os processos e os equipamentos que lhe permitirão assumir a capitalidade de uma circunscrição jurídica - conventus - e evoluir com importância destacada na província da Lusitânia.

Muito do que foi a velha Pax Iulia está  sob a actual cidade. Pretendem alguns saber tudo dela eu, que alguma coisa sei, sou levada às cidades invisíveis de Italo Calvino: Zaíra e  Zora 
Zaíra: A cidade se embebe como uma esponja dessa onda que reflui das recordações e se dilata. Uma descrição de Zaíra como é atualmente deveria conter todo o passado de Zaíra. Mas a cidade não conta o seu passado, ela o contém como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das escadas, nas antenas dos para-raios, nos mastros das bandeiras, cada segmento riscado por arranhões, serradelas, entalhes, esfoladuras.   
(...)

Zora, cidade que quem viu uma vez nunca mais consegue esquecer (...) Zora tem a propriedade de permanecer na memória ponto por ponto, na sucessão das ruas e das casas ao longo das ruas e das portas e janelas das casas, apesar de não demonstrar particular beleza ou raridade. O seu segredo é o modo pelo qual o olhar percorre as figuras que se sucedem como uma partitura musical da qual não se pode modificar ou deslocar nenhuma nota. 


29/11/2014

Eros dormindo sobre pele de leão/villa romana de Pisões

Eros villa romana de Pisões*
Séc. II d. C
Em 1992 Helena Paula Carvalho publicava uma peça escultórica, inédita, de Eros alado adormecido, proveniente da villa romana de Pisões.
Esta peça, que representava uma criança recostada sobre a pele de leão de Nemeia, com as pernas cruzadas e com um lagarto ao lado do corpo, data do século II, da época dos antoninos.Nessa altura encontrava se no posto de Turismo de Beja, então situado na rua Capitão João Francisco de Sousa, donde desapareceu há cerca de 14 anos. Do desaparecimento desta peça escultura de grande qualidade plástica, eventualmente proveniente de uma oficina de Roma, dá conta Leonel Borrela num apontamento publicado no seu blogue “Beja cidade monumental em 28 de Maio de 2010.

Este tipo de figuras de crianças é muito popular em época romana e constitua motivo usual no reportório das esculturas decorativas da Hispânia, sendo conhecidos vários exemplares provenientes de villae.
Quem dera pudéssemos trazê-la de volta!


* Foto in https://www.academia.edu/1272338/ESCULTURA_ROMANA_DE_EROS_DORMIDO_DE_LUCENA_CÓRDOBA_

02/11/2014

César de Pax Iulia




Em 2007, o busto em mármore de um homem foi retirado do rio Ródano (FIG.1). O arqueólogo Luc Long apressou-se a sugerir que esta bela peça seria um novo tipo de retrato de Júlio César e que dataria de cerca de 46 a.C.. Teria sido executado em tempo de vida do general e, por isso, a mais antiga representação conhecida de Júlio César.
O seu achado constituía, pois, um acontecimento arqueológico de uma extrema importância. As críticas a esta atribuição não tardaram e foram, inclusive, pronunciadas num debate organizado no Louvre com especialistas pró e contra esta identificação. 
A maior crítica centrava-se na falta de elementos de semelhança com os tipos de bustos de César conhecidos. Fleminng Jonansen, especialista dinamarquês, afirmou que como não havia na época de César nenhum tipo de retrato oficial, como acontecia ao tempo de Augusto, se aceitava como normal encontrar grandes diferenças entre as várias representações de César e, também,  que os retratos realizados em França fossem diferentes dos retratos romanos ou italianos. (http://www.louvre.fr/sites/default/files/medias/medias_fichiers/fichiers/pdf/louvre-programme-detaille-table-ronde.pdf)

Por seu lado, Christian Goudineau, professor de História Antiga no Collège de France, argumentOu a ausência de semelhanças deste retrato com os conhecidos, com o facto deste  ser mais antigo, ter sido executado antes dos outros, que são póstumos ou cópias do período augustano.
Sobrepondo as opiniões favoráveis às contrárias a credenciação do César de Arles ( ou do Rhône) tomou o seu caminho.
Em 2009  quando o Musée d'Arles Antique, organizou uma exposição intitulada  César, le Rhône pour mémoire, expõe-se pela primeiravez ao público "Um busto de César de grande tamanho em mármore, único na Europa" como em 2008 a  ministra da cultura, Christine Albanel, o havia designado.
O Louvre recebeu a exposição em 2012, entre os meses de Março e Junho, e juntou às peças do Ródano o busto de César de Tusculum , que está no museu de Turim (FIG: 2), e que à data era considerado o único exemplar que reconhecidamente representa César, para que houvesse a possibilidade de confrontar os dois retratos.
O único retrato de César em vida e o exemplar que servia de comparação foram vistos por 400 mil pessoas.
 Em 1900 foi encontrado em Beja, na muralha, um busto varonil de um homem de meia idade, com uma cicatriz no lado esquerdo (FIG.3). Está no Museu Regional de Beja, encaixado em uma base de gesso, exposto num nicho meio escondido, numa ala do claustro.
Vasco de Souza afirma que "na sua concepção, esta cabeça faz recordar os retratos de Júlio César".
Comparando a cabeça de Beja com outros retratos conhecidos de César, nomeadamente o mais emblemático, o de Tusculum, que sem contestação é identificado com César, as semelhanças são evidentes: o formato dos lábios, em que se destacam as covas nos cantos; as rugas profundas partindo das abas do nariz; as rugas da testa; a posição de olhos e as sobrancelhas arqueadas; o queixo saliente e o penteado são, apresentam similitudes claras.
Suetónio descreve Júlio César como tendo rosto largo, formato em que se enquadra melhor o retrato de Beja que a face mais triangular do retrato do museu de Turim.
São, também, evidentes as semelhanças do retrato de Beja com o de Arles. A distinta qualidade das ilustrações pode não mostrar com rigor as proximidades, mas elas são bem claras.

O retrato de homem de meia idade de Beja reúne, portanto, todas as condições para ser uma representação de César. Desta opinião é, também Margarida Maria Almeida de Campos Rodrigues (O retrato oficial Romano no tempo da Dinastia Júlio-Cláudia(https://www.academia.edu/2073514/O_RETRATO_OFICIAL_ROMANO_NO_TEMPO_DA_DINASTIA_JÚLIO-CLÁUDIA)
Se se trata de uma cópia da época Augustana é, do ponto de vista da representação e do seu valor, absolutamente indiferente, pois que datam desta época boa parte dos raros retratos conhecidos de César.
Desde há algum tempo que vimos tentando dar visibilidade a este retrato de Pax Iulia. Não é por falta de qualidade da peça, nem por falta de argumentos que justificam a sua importância que não logramos que se retire do nicho onde está "escondida" (curiosamente no mesmo nicho onde está a designada "Vénus de Beringel", outra escultura de grande qualidade) e transferida para local onde seja feita justiça à sua importância.
As várias propostas de valorização do César de Pax Iulia, por alguma razão, esbarram em negações que se não compreendem nem se justificam.
Dá vontade de pensar que se vendêssemos a peça aos franceses eles tratariam imediatamente de mobilizar milhares de visitantes para verem mais um retrato de César.
Ministros e Secretários de Estado, Directores de Museus e outros estariam, muito provavelmente  presentes na  apresentação pública. Para Portugal, talvez fosse interessante negociar a venda e conseguir verbas para as obras do Museu Regional Rainha D. Leonor.
Quem sabe, não receberia o Museu obras necessárias e urgentes e o César de Pax Iulia lugar digno de exposição.

Mas…, Beja merece ter esta peça e valorizada.



01/04/2013

Retomando Pax Iulia.
Retomamos a escrita em "Pouco Frequente" como mais um exercício de reflexão sobre a civitas de Pax Iulia.
Pode estranhar-se que após uma tese de doutoramento, na qual se invocou o debate como o modo mais clarividente para estruturar o conhecimento sobre a cidade romana de Beja, se insista em percursos e debates em torno de Pax Iulia.
Mas, é que, as recentes escavações que temos desenvolvido numa parte da cidade, as quais, ao contrário de outras que prefiguram buracos por toda a cidade, têm como objectivo conhecer e fazer desse conhecimento instrumento de valorização e desenvolvimento da cidade, revelaram circunstâncias que exigem que continuemos a reflectir.
Voltaremos ao início para que os argumentos não esbarrem em preconceitos e ideias feitas. Começaremos, portanto, por deixar aqui grafados alguns elementos que importa trazer para este forum.
Por ser na arquitectura, ou com base nela que muita coisa de discute importa que retomemos a cidade na sua dimensão arquitectónica e justifica-se que a tomemos como ponto de partida.
Embora, como veremos mais adiante, não seja apenas na cidade que se encontram os edifícios de carácter monumental, é neste cenário urbano, local de concentração das funções governativas, que se constroem edifícios públicos e privados, em conjuntos monumentais ou isolados e, naturalmente, onde esta arquitectura de tipo monumental apresenta maior versatilidade de formas e estilos e mais ampla variedade.
De plano repetido ou inspirado nos modelos canónicos difundidos por Roma, sobretudo no De Architectura, manual que Vitrúvio realizou ao tempo do imperador Augusto, onde pormenorizadamente se dão instruções técnicas e metodológicas sobre onde e como construir, tendo em conta os locais de construção e os propósitos dos edifícios, os edifícios surgem como parte integrante de programas urbanísticos que assumiam características próprias resultantes da adaptação à topografia dos lugares e à ocupação anterior ou à ausência dela, por exemplo.
 Os edifícios públicos ocupavam posições estratégicas na malha urbana da cidade. Enquanto objectos arquitectónicos, alguns constituem obras de inegável qualidade artística, nomeadamente quando se articulam com programas decorativos e contextos cenográficos que amplificam a sua elegância, a delicadeza do contorno, o gosto dos materiais utilizados, o carácter emblemático, enfim, a beleza e a majestade das formas arquitectónicas.
 O forum era o monumento principal das cidades, um centro político-administrativo, religioso e comercial onde os edifícios de suporte a estas actividades, basílica, cúria, tabernae, se organizavam em torno desta praça de secção rectangular na qual um templo definia o seu eixo maior. Todas as cidades tinham o seu fórum. Até mesmo alguns dos aglomerados urbanos secundários tinham o seu fórum ou, pelo menos, uma praça com algum edifício de prestígio.
As hipotéticas reconstituições do fórum de Pax Iulia (Beja) não têm tido satisfatória resposta nas poucas escavações científicas que se têm podido fazer na que é, politicamente, uma das mais importantes cidades romanas da Lusitânia.
Um conjunto de capitéis encontrados na cidade e expostos no museu regional D. Leonor terão, certamente, pertencido ao fórum da colónia romana.
 Um grande capitel compósito terá pertencido ao templo; um outro, também compósito mas de menor módulo, poderá ter pertencido à basílica, bem como um capitel compósito de três frentes e um capitel coríntio, de módulo menor que os referidos, talvez tenha pertencido a um pórtico. 

Estes capitéis lavrados em mármore de Trigaches deixam-nos suspeitar da volumetria e da qualidade decorativa dos edifícios do fórum que, apesar da incúria com que alguns trabalhos arqueológicos recentes têm ignorado, ou mesmo destruído, elementos estruturantes, se espera que as políticas de património permitam que um dia se localize materializado. 




19/02/2012

o tempo de Beja


Abriram-se os telejornais com a notícia; nos últimos dias escreveram-se e disseram-se nos jornais e nas rádios muitos minutos de prosa sobre Beja.
Beja é uma pequena cidade, pacata e misteriosa como o sol abrasador que no Verão se lhe apega;  por entre as suas ruas,  como as dos Pintores,  da Guia,   da Muralha  do Sembrano e travessas de que se destaca a estranha da Audiência,  pode descobrir-se uma fascinante cidade que se não adivinha no casco mais moderno. Pequena e simples, surge belíssima quando se anda por ela. Desenha-se influenciada pela imponente  torre de menagem, as Igreja de Santa Maria e Santo Amaro, os conventos da Conceição e o de S. Francisco  e por tantos  outros espaços que lhe moldam a vida, produto que uma história de milênios lhe foi oferecendo.
Mas é um crime hediondo que traz Beja para a ribalta e que lhe dá protagonismo.
Acredito que é um crime ir  a Beja e não percorrer a cidade, descobri-la e quedar-se um pouco no seu tempo, que por ser  cúmulo de tantos tempos, se afigura uma eternidade. 
Não tenho dúvidas da interessante reportagem que a desmontagem deste outro haveria de constituir. Depois, num tempo em que tudo acontece  a correr,  encontrar o ritmo da vida que flui seria um enorme  privilégio. Jamais um fait divers!

05/02/2012

Ruínas

Nesta fase dos trabalhos em Beja, e pensando no destino que se dará ao local, lembrei-me do poema de Almada Negreiros          
                           Ruínas
Pandeiros rotos e coxas taças de cristal aos pés da muralha.

Heras como Romeus, Julietas as ameias. E o vento toca, em bandolins distantes, surdinas finas de princesas mortas.

Poeiras adormecidas, netas fidalgas de minuetes de mãos esguias e de cabeleiras embranquecidas.

Aquelas ameias cingiram uma noite pecados sem fim; e ainda guardam os segredos dos mudos beijos de muitas noites. E a lua velhinha todas as noites reza a chorar: Era uma vez em tempo antigo um castelo de nobres naquele lugar... E a lua, a contar, pára um instante - tem medo do frio dos subterrâneos.

Ouvem-se na sala que já nem existe, compassos de danças e risinhos de sedas.

Aquelas ruínas são o túmulo sagrado de um beijo adormecido - cartas lacradas com ligas azuis de fechos de oiro e armas reais e lisas.

Pobres velhinhas da cor do luar, sem terço nem nada, e sempre a rezar...

Noites de insónia com as galés no mar e a alma nas galés.

Archeiros amordaçados na noite em que o coche era de volta ao palácio pela tapada d'El-rei. Grande caçada na floresta--galgos brancos e Amazonas negras. Cavaleiros vermelhos e trombetas de oiro no cimo dos outeiros em busca de dois que faltam.

Uma gôndola, ao largo, e um pajem nas areias de lanterna erguida dizendo pela brisa o aviso da noite.

O sapato d'Ella desatou-se nas areias, e foram calçá-lo nas furnas onde ninguém vê. Nas areias ficaram as pegadas de um par que se beija.

Noticias da guerra - choros lá dentro, e crepes no brasão. Ardem círios, serpentinas. Há mãos postas entre as flores.
   
E a torre morena canta, molenga, doze vezes a mesma dor