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01/02/2011

A Porta Limitada


Hoje, ao receber um cartão para substituir a velha chave da porta do Instituto de Arqueologia —o palácio de subripas — lembrei-me do título de um livro que há muito tempo li. A Porta dos Limites de Urbano Tavares  Rodrigues.
Não sei porque me lembrei daquele livro que, na 3º edição,  na capa, tem um olho azul rodeado superiormente de pestanas pretas e inferiormente de raros fios castanhos acompanhando um esborratado contorno da mesma cor que, depois de lido, foi a capa que mais interesse me despertou.
A verdade é que, ao assinar um papel para poder ser usuária daquele cartão com publicidade, igual ao que se usa na máquina de fotocópias ou nos quartos de hotel, senti
de repente, que aquela vigorosa e acolhedora porta se estava a transformar num banal limite; num objecto que se não deseja franquear; numa cópia de tantas entradas sem gosto, ao lado das quais passamos sem nenhum arrepio de inveja. E, inexplicavelmente, depois de tanto tempo, passou-me pela cabeça a primeira frase do prefácio que Armando Ventura Ferreira fez do livro “Não gosta o homem de entender limites à sua criatividade criadora. Entendê-los é confessar a sua derrota”
A substituição de uma fechadura, que existia em cuidada harmonia com a porta de madeira e o portal de pedra, manuelino, que a emoldurava, por um canhão saliente com um leitor de banda que se encontra escondida num vulgar cartão, bateu-me como uma derrota; como um limite à curiosidade de a ultrapassar.
Eu que não tenho grande apego a cartões e os perco a cada instante, percebi que este é o primeiro limite, porventura de outro que se adivinham,  para confinar a criatividade a horas de funcionários; afastando-a, assim, da casa que leiloam como  “A casa da sabedoria”.
Ficou mais pobre o portal e tudo o que ele encerra . E nós sentimos que também este património será, de outro modo, transfigurado em qualquer coisa com horário bem definido. 
Numa casa onde a fechadura era a única coisa sem problemas, foi ela a sacrificada. Quando vedarem as brechas das janelas, preencherem os vazios dos vidros, tratarem as paredes que escorrem salitre e estancarem  a água que por ali corre como rio, acredito que aserá o Instituto de Arqueologia que assitirá à sua condenação. 
Voltando à Porta dos Limites, Urbano Tavares Rodrigues  escreve no  penúltimo parágrado (fui reler agora)  "mas a tarde punha-se para nós de triste enfado e de pressentimentos...", referindo-se à liberdade.
Hoje, que a porta do Instituto de Arqueologia se transformou numa porta limitada, triste, e nos convoca pressentimentos, Calar é confessar a derrota!

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