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27/05/2023

Pax Iulia e o seu Forum Esclarecimento e Parecer (Por Jorge Alarcão)



 

A Câmara Municipal de Beja e o Senhor Arquitecto Vítor Mestre têm publicamente (e talvez em documentos oficiais que desconhecemos) apresentado como tendo a nossa aprovação o projecto de edifício a construir na rua da Moeda como equipamento para acolher os visitantes das ruínas do fórum romano de Beja escavadas, com inexcedível competência, pela Doutora Maria da Conceição Lopes. Isso é apenas meia-verdade. Cumpre revelar a outra meia-verdade que tem sido intencionalmente ocultada pela Câmara Municipal e pelo Senhor Arquitecto Vítor Mestre. 

Na primeira apresentação pública do projecto, realizada em Fevereiro de 2020, manifestámos inequivocamente a nossa posição. A solução que considerámos ideal (e mantemos ainda hoje a mesma opinião) devia ser outra: o aproveitamento do edifício camarário que tem frente para a Praça da República (com os números 41 e 43) e traseiras para as ruínas do fórum. Nesse edifício devia ser instalado um Museu Arqueológico para recolher e apresentar os materiais (abundantes e importantes) recolhidos nas escavações, assim como os que se encontram actualmente no Museu Regional de Beja (designadamente os extraordinários capiteis do fórum). Do rés-do-chão desse edifício ter-se-ia acesso fácil às ruínas. Dos andares superiores ter-se-ia excelente vista aérea das mesmas ruínas, eventualmente tornando até desnecessário, para muitos visitantes, o calcorreamento ou pisoteamento das mesmas ruínas (com vantagem para a sua conservação). Além disso, no equipamento projectado pelo Senhor Arquitecto Vítor Mestre não haveria (e não há) espaço suficiente para uns sanitários que pudessem (ou possam) responder convenientemente a um grupo de 25 ou 30 visitantes que em simultâneo cheguem depois de um percurso de duas horas de autocarro. O problema não existiria no edifício da Praça da República.

Dado que, naquela sessão de apresentação do projecto, se tornou manifesto que a Câmara Municipal não aceitaria a nossa proposta e que estava firmemente decidida a executar o projecto que havia encomendado, manifestámos a nossa disposição de ajudar a revê-lo tendo como objectivo diminuir os aspectos negativos. 

Tivemos então algumas reuniões de trabalho com o Senhor Arquitecto Vítor Mestre, que, receptivo às nossas sugestões, procedeu a algumas alterações, das quais a mais importante foi a de elevar o piso do edifício a uma cota que permitisse a visita das ruínas que ficarão sob o mesmo edifício. 

Esta é a meia-verdade que tem sido escamoteada. Para nós, a solução ideal teria sido outra.

Devemos, todavia, honestamente, confirmar que colaborámos na revisão do projecto, embora desconheçamos a sua versão final e definitiva. Desconhecemos também o projecto que terá sido elaborado de rede de escoamento de águas pluviais e de instalação eléctrica.

Tendo sido de boa-vontade e informal a nossa colaboração, sem qualquer indigitação ou confirmação pela Direcção Geral do Património Cultural, recusamos qualquer alegação de que fomos o arqueólogo responsável pelo acompanhamento do projecto. Nunca, aliás, nos teríamos prestado a desempenhar esse papel, por entendermos que ele caberia, de pleno direito, à Doutora Maria da Conceição Lopes.   

 

Também não temos conhecimento de qualquer proposta, se é que existe, relativa aos trabalhos de conservação e apresentação das ruínas. Pela Drª Adília Alarcão foram apresentadas ao Senhor Presidente da Câmara Municipal as bases e princípios para um programa e respectivo caderno de encargos. Se tal programa e caderno chegaram a ser elaborados (e, neste caso, por quem) não é do nosso conhecimento.

 

Temos informação de que o arqueólogo Filipe João Carvalho dos Santos apresentou um PATA para a realização dos trabalhos de acompanhamento requeridos no âmbito do Projecto de Valorização do Edifício do Forum de Beja. Entendemos que tal acompanhamento deve, por razões científicas e éticas, ser assegurado pela Doutora Maria da Conceição Lopes. Quem competentemente realizou as escavações e, como é óbvio, conhece a complexidade das ruínas e as sabe interpfetar é a pessoa indicada para assegurar esse acompanhamento. Outra escolha é eticamente condenável (se é que não é também juridicamente reprovável).

 

 

Coimbra, 10 de Maio de 2023

 

  

Jorge de Alarcão

                                     (Professor Catedrático Aposentado

         da Faculdade de letras de Coimbra)


O documento é publicado por expressa vontade do autor, Jorge de Alarcão, depois de dado prévio conhecimento  a todos os que nele são  referidos, direta ou indiretamente.

19/05/2023

A ARTE DA TERRA


Em Assembleia Geral Extraordinária do ICOM, em Praga, no dia 24 de agosto 2022, foi aprovada uma nova definição de Museu:

"Museu é uma instituição  permanente, sem fins lucrativos  e ao serviço da sociedade, que pesquisa, coleciona, conserva, interpreta e expõe o património material e imaterial. Abertos ao público, acessíveis e inclusivos, os museus fomentam a diversidade e a sustentabilidade. Com a participação das comunidades, os museus funcionam e comunicam de forma ética e profissional, proporcionando experiências diversas para educação, fruição, reflexão e partilha de conhecimento".

A terra guarda em seus perfis peças de desenho excepcional e excelência para a pesquisa.
Este corte estratigráfico, observado na escavação no Logradouro do Conservatório Regional do Baixo Alentejo/ Rua da Moeda, em Beja, é uma dessas peças.
A cobiça pelo acervo dos museus às vezes dá belas comédias: como Um Crime Nada Perfeito, The Maiden Heist (Original), filme dirigido por Peter Hewitt com Wynn Everett, Bates Wilder. Todavia, às vezes, as as obras perdem-se para sempre. E nem mesmo é o mundo dos NFT que as pode salvar. 

Perfil sul Sc3
@arqueologia das cidades de Beja

15/05/2023

Escavadora. Claro que sou!

 Hoje acedi a uma texto onde um rapaz, Filipe J. C. Santos, se me referia como a escavadora.

Ao longo de vários anos trabalhei num projecto que ele, que nunca visitou, critica com voz, certamente sábia, e desdenhadora das escavadoras. 

Como adjectivo, o dicionário indica que sábio é o que sabe fazer habilidades. 

Eu, como escavadora, que no dicionário diz significar ser uma máquina de escavar, ofereço-me o qualificativo com orgulho.  Como arqueóloga, que no dicionário diz ser a pessoa que se dedica à Arqueologia, não tenho dúvidas que foi  o trabalho em torno dessa magnífica ciência que me fez "escavadora".  Foi apenas essa habilidades, a de querer saber de cor o que diz a terra.

Nunca me furtei ao trabalho para saber mais. Porque o saber dá trabalho. De viva Voz, é preciso escavar!

Contra a Misogenia, nada como uma escavadora!




15/04/2023

Cidades Romanas do conventus pacensis em diálogo no sudoeste peninsular.

No corrente ano de 2023 cumprem-se 50 anos desde a primeira edição de Portugal Romano, de Jorge de Alarcão, obra mater da Arqueologia Romana em Portugal. 
Para comemorar esse marco determinante para a arqueologia portuguesa e para o Instituto de Arqueologia da UC, o Centro de Estudos em Artes, Arqueologia e Ciências do Património (CEAACP), de que fazem parte as Universidades de Coimbra, do Algarve e o Campo Arqueológico de Mértola, vai realizar um evento sobre as cidades romanas do Sul de Portugal, que serão discutidas em confronto com as cidades romanas vizinhas do lado espanhol. Um Encontro Internacional, com  o título 
Cidades Romanas do conventus pacensis em diálogo no sudoeste peninsular, irá realizar-se no próximo dia 11 de maio em Faro, antiga cidade de Ossonoba, com visita no dia seguinte a Myrtilis, nome da antiga cidade romana de Mértola. 



Pax Iulia a actual cidade de Beja era a capital do conventus pacensis
É em tempos de César, em meados do séc. I a. C,  que  o antigo e grande aglomerado urbano recebe os primeiros equipamentos urbanos instalados pelos romanos. Desde então, tomando a zona monumental do forum e as inscrições como parâmetro, o antigo aglomerado vai implementando os processos e os equipamentos que lhe permitirão assumir a capitalidade de uma circunscrição jurídica - conventus - e evoluir com importância destacada na província da Lusitânia.

Muito do que foi a velha Pax Iulia está  sob a actual cidade. Pretendem alguns saber tudo dela eu, que alguma coisa sei, sou levada às cidades invisíveis de Italo Calvino: Zaíra e  Zora 
Zaíra: A cidade se embebe como uma esponja dessa onda que reflui das recordações e se dilata. Uma descrição de Zaíra como é atualmente deveria conter todo o passado de Zaíra. Mas a cidade não conta o seu passado, ela o contém como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das escadas, nas antenas dos para-raios, nos mastros das bandeiras, cada segmento riscado por arranhões, serradelas, entalhes, esfoladuras.   
(...)

Zora, cidade que quem viu uma vez nunca mais consegue esquecer (...) Zora tem a propriedade de permanecer na memória ponto por ponto, na sucessão das ruas e das casas ao longo das ruas e das portas e janelas das casas, apesar de não demonstrar particular beleza ou raridade. O seu segredo é o modo pelo qual o olhar percorre as figuras que se sucedem como uma partitura musical da qual não se pode modificar ou deslocar nenhuma nota. 


13/02/2022

Pax Iulia capítulo de Ciudades Romanas de Hispania Cities of Roman Hispania



A Colónia Romana de Pax Iulia apresenta os novos achados e o conhecimento possível que deles resulta em excelente volume coordenado por Trinidad Nogales Basarrate ,a. diretora do Museu Nacional de arte Romano de Mérida

(...)Sobre Pax Iulia, a importante cidade romana da Lusitânia Meridional, não faltam na cidade testemunhos que atestam o seu processo de construção e a sua importância. O complexo de termas que está agora a ser encontrado na área do jardim do tribunal revela, uma vez mais, como é possível encontrar testemunhos dos tempos antigos da cidade em excelente estado de conservação. No mesmo sentido, o baptistério escavado (Fig-2-E) em frente ao templo do complexo tiberiano, abre novas linhas de estudo e convoca o célebre bispo Apringio de Beja em 531. Os trabalhos em curso atestam o decisivo papel deste bispo na continuação da cidade de Beja, durante a Tardo Antiguidade como principal espaço político e de representação regional, certamente requalificada e readaptada (Lopes, 2020).

Se os paradigmas da arqueologia urbana em Portugal se alterarem juntando vontades, zelo político e envolvimento da comunidade, os próximos anos serão determinantes para encontrar a nova imagem da cidade romana que aqui brevemente expusemos.

Poder-se-ia dizer que o mesmo se passa no que respeita ao espaço extra muros da cidade. O conhecimento do quadro de exploração agro-pecuária, que vimos defendendo se torna necessário para alimentar as estruturas ligadas á indústria de salga e conserva de peixe e à produção de ânforas no vale do Sado e na costa litoral na área de Sines, sairia reforçado se se fossem acautelando os dados sobre os quais muito frequentemente surgem notícias de destruição em razão da agricultura intensiva, motivadas por destruições não controladas e às vezes criminosas de villae.

Neste tema se enquadra a problemática da rede cadastral, o instrumento de estruturação e gestão do espaço agrário que terá servido de suporte à exploração desse território, o qual tem estimulado grandes debates. Se em nossa opinião o trabalho de Cedric Lavigne que “ouvre sur des realité planimetriques extrêmement variées, potenciellement riches de sense quant a la comprehension du rapport des societés anciennes à l’écoumène» (Lavigne, 2006: 44) nos estimula metodologicamente e abre novas perspectivas, outras publicações mostram o mesmo interesse mas outras metodologias de abordagem.

J. Gerard Gorges, em publicação datada de 2010, faz uso de metodologia muito ancorada em estudos morfo-históricos e afirma perentóriamente a confirmação da existência de dois grandes cadastros romanos, tal como V. Mantas o havia proposto (Mantas, 1996) Apesar de se apresentarem muito degradados na zona envolvente de Beja a “trame est suffisamment conservée dans deux secteurs ou certains vestíges sont encore repérables” (Gorges, 2010: 160). Ora, até ao presente, e apesar de vastissimos trabalho de arqueologia preventiva, nenhum traço dessa eventual centuriação foi registado.

Na breve síntese que serve de apresentação dos novos dados arqueológicos da cidade de Pax Iulia, a cidade que Estrabão designou de Pax Augusta, quando a referiu em conjunto com as colónias de Augusta Emerita, e Caesaraugusta, se deixou aberto o interesse e a importância que os novos dados arqueológicos trazem para o conhecimento da cidade capital do conventus pacensis.



Ciudades Romanas de Hispania

Cities of Roman Hispania

Trinidad Nogales Basarrate

Editora


Edición del volumen:

Trinidad Nogales Basarrate


Coordinación editorial:

María José Pérez del Castillo


Diseño y maquetación:

Artes Gráficas Rejas, S. L. Mérida (Spain)

Ilustración de la cubierta: Recreación ideal de Augusta Emerita, J.R. Casals.

Ciudades Romanas de Hispania

Cities of Roman Hispania

(Hispania Antigua, Serie Arqueológica, 13)


Copyright 2021- L'ERMA di BRETSCHNEIDER

Via Marianna Dionigi, 57

00193 Roma - Italia


www.lerma.it

70 Enterprise Drive, Suite 2

Bristol, 06010 - USA

 

25/12/2021

Narbonne à reconquista da sua romanidade ou como há políticos que fazem a diferença na cultura

 No dia 20 de Dezembro de 2021 uma reportagem em France Culture, dedicada à importância do património na fábrica da cidade contemporânea, destacava a História de uma reconstituição cultural da 1.º colónia romana criada na Gália, no séc. II a.C : Narbos Martius a imensa capital, a cidade antiga de Nrabonne.
Contrariamente a Arles ou Nimes, que guardam alguns dos monumentos antigos ainda visíveis, Narbonne, cidade bem mais importante e maior, viu os seus edifícios romanos desmantelados para dar origem a outros , como ocorreu em muitas cidades antigas.
 Em 2010, a região de Languedoc-Roussillon, liderada por Georges Frêche, em razão de que " Para além do povo de Narbonne e investigadores ou estudiosos, poucas pessoas conhecem o glorioso passado antigo desta cidade, conhecida sobretudo pelos seus grandes edifícios medievais" decidiu  mostrar esse passado num museu.
Financiado a 90% pela região, o museu que custou 57 milhões de euros destina-se a ser um museu em movimento, ou seja, evolutivo e moderno.
 Concebido pela equipa de arquitectura britânica de Fosters, a sua peça central é uma enorme parede de 760 blocos de pedra apresentados num gliptoteque de 90 metros quadrados (museu de pedras gravadas) com um sistema robótico que permite que cada pedra, cada fragmento, seja colocado no seu contexto histórico através de uma série de ecrãs gigantes.

19/07/2020

Estátua do culto imperial em Pax Iulia (Beja), Portugal

Parte superior de uma estátua (de tamanho maior que o natural), que deve corresponder a uma das peças do grupo escultórico do culto imperial organizado no forum da cidade de Pax Iulia, Beja.
A cavidade aberta na zona do pescoço servia para colocar a cabeça da personagem da casa imperial que se apresentaria sentada.
Esta foto data de 2013, pouco depois de ter sido recolhida algures na cidade. Dada a "grande qualidade artística", reconhecida, entre outros, pela especialista Trinidad Nogales Basarate (durante muitos anos diretora do Museu Nacional Romano de Mérida), previa-se que em 2020 tão importante peça estivesse em local publico onde fosse identificada e a sua importância realçada. Está, desde há uns anos, no Museu da Rua do Sembrano, ao fundo da salaencaixada no espaço de uma porta rotativa de vidro (suja e enferrujada), onde serve para disfarçar e impedir o acesso a tão desastrada abertura no tão infeliz projecto de arquitetura. Para ali atirada (confinada), poucos dão importância a esta magnífica peça, mesmo amputada; e menos ainda saberão que tipologicamente é muito próxima de duas estátuas do conjunto do possível Santuário del Cerro de Minguillar, em Baena (Cordova, Espanha), a antiga cidade de Iponuba, as quais se exibem no Museu Nacional Arqueológico, em Madrid, com o destaque que lhes é devido.

Com tipo igual a esta, achada numa das grandes villae da periferia de Beja, expõe-se num dos corredores do Museu de Évora a parte inferior de uma estátua sedente feminina, talvez uma imperatriz, de qualidade artística notável, datada do início do império.
 Uma pequena inscrição em grego, num dos lados, levanta a possibilidade de ter sido uma peça importada, para servir de modelo a outras ou, não sendo para modelo ser o resultado do trabalho de um escultor de origem grega, de grande mestria que, entretanto, tinha chegado à Lusitânia.
 Achada na villa romana
 de  Vale de Aguieiro, foi levada para Évora, conjuntamente com outras peças, por Frei Manuel do Cenáculo no final dom século XVIII.
 


Desta e doutras notáveis peças da escultura de Pax Iulia  muito brevemente daremos notícia aprofundada
Até lá, fica-lhes aqui a porta aberta.