Menade da colecção cenáculo |
A Oração do Museo
dita a 15 de Março de 1791, da autoria de frei José de São Lourenço do Valle, anotado e
corrigido pelo bispo de Beja, frei Manuel do Cenáculo, eventualmente o seu verdadeiro autor foi lida publicamente em Março de 1791 na inauguração, em Beja, do Museu Cenaculo Pacense.
Tenho sempre vontade de o invocar sempre cada vez que se fala das questões relacionadas com o Museu Regional de Beja, todavia, é o anúncio do II festival Beja Romana que me faz publicá-la aqui.
Tenho sempre vontade de o invocar sempre cada vez que se fala das questões relacionadas com o Museu Regional de Beja, todavia, é o anúncio do II festival Beja Romana que me faz publicá-la aqui.
O texto completo, que infra se reproduz, convoca-nos para a reflexão sobre a obrigatoriedade de os poderes públicos cuidarem do património colectivo, com o rigor que é exigido ao seu conhecimento. É longo, mas um texto onde, entre outros, se diz “O estudo do Museo he hua disposição para qualquer homem ser completamente Sabio”, vale a pena ser lido, mesmo pelos não crentes.
Exmo.
Rmo. Sr. Magistrado, Protecttores,
hospedes etcª.
humanissimos
estimaveis estudiozos
Primeiramente,
Ouvintes Pacences, eu rogo a Deos Jmmortal para que quanta affeição tiverão
vossos antepaçados \cuja memoria hoje honro/ ás Artes, Sciencias, custumes, e
Religião no qual vos deixárão feliz, esclarecida, e perpetua lembrança; e por
quanto seos immitadores são distinguidos entre os mortaes, no testemunho da
Historia, na confição da antiguidade, e na honra da virtude: a mesma humanidade
continueis a praticar com a vossa benevolencia na materia que vou a tratar. O
que sendo assim, he justo me ouçais discorrer do proveito do estudo da
Antiguidade Sagrada e profana, no que se eu disser couza util será conveniente
abraçalla; porque falando eu para o vosso bem podeis escolher o que mais vos
agradar. Certamente este tempo, Snrs, não só vos falla com a vós que todo o
homem deve, e está obrigado a conservar as Memorias que seos antepassádos lhe
deixarão cuidadozos, se as quizer conhecer, immitar, e honrar.
Eu não venho pois aqui comovervos por
meo Discurso, mas instruirvos por exemplos: e eu vos exorto hoje não a sereis (sic) completos sabios, mas a imitar os
Varões Jllustres, e espertar nos vossos corações a levantarvos de esfera em
esfera e correr a radiante escada da natureza, e dos seculos passados
Quando
se tem por assumpto discursos mundanos em que se não pode louvar mais que o
fim, difficultozo he que se não lizonge a vaidade, ou ao menos se não confunda
com a virtude, e que sem reparo se não incense o mundo com os perfumes devidos
a Deos. Graças a Deos, que hoje me vejo livre destas duvidas e receios. Eu falo
de hum espirito abençoado /fl. 1v/
que faz hum continuo preparo para brilhantar a Sagrada Religião. Eu fallo para
hum Eclesiastico que deve aparecer no mundo como Lúz que sentelha no quadro da
Jgreja, dezejando aperfeiçoar a profição do seo estado na indagação da
Antiguidade, e natureza para com maiores conhecimentos illustrar siencias
Divinas; pois quanto maior for o trabalho, o premio será mais distincto que a
muitos fáz as fadigas \mais amadas que a propria vida/ A vista da natureza, e
do ingenho humano, creaturas de Deos Á vista dos Jdolos e Deoses tutelares do
Jmperio, de baixo de seos proprios despojos derrubados, a vista de todos os
esforços da politica do poder dos cezares de todas as subtilezas da filozofia,
de todo o furor das perseguições, a vista de tudo isto, aqui vou arvorar o
trofeo da Sagrada Religião. Escutai em quanto eu trabalho em seguir os passos
daquelles respeitaveis \Sabios que dignamente ja disserão tudo neste Lugar./
Na
lição da antiguidade, Deos Jmmortal que superioridade. Que magnificencia! Que
fundamentos para a Historia Sagrada! Que artes! Que conhecimentos das Regiões e
Lugares! Que homens! Que artes! Que custumes! Que erudição sagrada e humana!
Que imprevistas mudanças da natureza, e dezengano do mundo!
Todas estas grandezas se comprehendem
no Muzeo, e não direis que o seu estudo he somente o conhecimento da Fizica
natural, dos saes, sucos oleozos, pedras, \petrificações/ christaes, Mineraes,
Metaes, plantas e todas as mais produções maravilhozas da natureza: eu me
esqueço de todos estes magnificos objectos, ou milhor eu os ajunto todos hum. O
estudo do Museo he estudo de todas as siencias \para conhecermos a Deos e sua
Religião, com utilidade nossa,/ donde provem fortes rezões para nos applicarmos
a elle.
Com
effeito, Snrs., que apinhoados conhecimentos me trás a memoria o nome de Muzeo.
Elle nas producções da natureza me reprezenta a grandeza de seo Creador. \nos
idolos a falcidade do gentilismo, e a verdade da nossa Religião./ Nas Jnscripções profanas, a erudição das
lingoas, a historia dos seculos passados, e a noticia da fabula. Nas Sagradas Jnscripções
a authoridade e poder de Moyses, as virtorias de Josue, os castigos dos impios,
a fraqueza dos Jmperios, a alternativa da fortuna, o abatimento da prezumpção
humana, o zelo e intrepidêz dos Martyres, e hum gloriozo argumento contra os
delirios da arrogante filozofia, que duvidando das verdades, nega tudo por
effeito da propria fraqueza que em si desconhece.
Que
bem! Que utilidade Santa! Quantos gozarão desta magestade nas letras! A quem
deveremos tantas venturas?....
/fl.
2/ Mas para onde me arrebato? para onde?.... \Levantar/
Para
que possais entender, que não há eloquencia, ou alta erudição que possa, não
digo augmentar ou ornar, mas sim contar a grande multidão de venturas que o
Exmo. e Rmo. Sr. Bispo de Beja, Nosso Prelado que Deos guarde, tem conferido a
todo Portugal, e prosegue a felicitar a sua Jgreja Pacense.
Por
tantos bens se fomos nascidos de nossos Pais e creados por elles; por V. Exa.
nascemos Sabios. Se elles nos derão heranças, V. Exa. as animou fazendo-as mais
uteis. Se recebemos a natureza prevaricada neste seculo; V. Exa. sempre firme
na Tradição Sagrada; nos tem conservado na pureza da Religião: Deos Jmmortal
nos deo Lúz, V. Exa. a tem feito brilhar. Muitos mais dotes recebemos do
creador que se não fosse as solicitações do amor de V. Exa; careceriamos por
certo do uzo dos beneficios Divinos.
Assim
util sem interesse, virtuozo sem ostentação, não segue em todas as suas acções
outras regras que a sua rectidão; não olha outro fim, que a utilidade publica;
não quer outro premio, que a gloria de fazer bem, e dezejar o bem que não pode
fazer.
Eu
suspendo os seos elogios, e trato da utilidade do estudo do Museo,
mostrando-vos como S. Exa. tem excedido a todos pelo por seo zelo; tem triunfado de muitos obstaculos pela
modestia; e dos abusos e presumpção so seculo pela vigilancia. Se acazo
interromper a ordem do meo Discurso, perdoaime as atracções para hum objecto,
que tantas faz em todos.
Eu vou
tratando ora do seu zelo, ora do Museo, e quando não possa de tantos cuidados
circunstanciaes o Discurso, tocarei seos principios, não por força da minha
froixa eloquencia, mas pela verdade que sou obrigado propor vos.
O
exemplo das virtudes e profunda erudição de V. Exa. sempre respeitavelmente
admirado pelos Estrangeiros, em cujas bocas sagradas de Nações que sabem
avaluar verdadeiros mericimentos, primeiro conhecia a V. Exa. do que tivesse a
fortuna de o ver; são as mais agigantadas provas com que milhor autoriza
Portugal a confição das suas dividas eternas. Se isto fosse vaidade, eu lhe
deixaria o cuidado de \se/ coroar a propria vaidade. Mas Snrs. deixaime romper
neste doce entusiasmo: que grande he a gloria de Portugal ter hum Heroe
admirado nas terras extranhas, e que porto no meio da Jgreja como hũa tocha
encendida brilha sobre innumeraveis luzeiros? Na verdade será esta Nação nos
seos dias sempre envejada; por que assim como os seculos passados não tiverão
similhante, por tanto o dezejará a sensivel posteridade. E se enfraquecermos em
seos elogios, por mais que prosigão os seculos vindouros sempre lhe faltará
mais que dizer de quem principiou por onde os mais acabárão.
V. Exa
me ordena que discorra sobre o proveito do estudo do Museo com que liberalmente
me honra, e offrece á sua Dioceze edificada com doutrina e cuidados literarios,
e ao mesmo tempo me prohibe falar em V. Exa.. Por tanto eu deixarei aos bellos
engenhos da gente de letras publicar as elevações do seo espirito. Deixarei às
almas grandes que da erudição de V. Exa. fazem as suas delicias, gravar eterna
Memoria das generosidades incomparaveis do seo profundo e humano coração. Eu
sempre obrigado e distintamente /fl. 2v/
favorecido por V. Exa., por não parecerem curtas minhas expreções; confeço que
não podendo alcançar o rapido voo das honras que me fáz, não chego a dizer
tudo, se não por meio de hum silencio suspenço, sepultando-me no abysmo das
minhas obrigações desde o tempo em que estudei as lingoas orientais no seo
collegio de Jesus onde me aliancei com hum juramento sagrado, juramento fiel,
acção desconhecida nos encantos humanos, e brilhante depois dos dias da vida.
Aqui; Exmo. Sñr, mais dis meo silencio que minhas vozes, e lhe deverá parecer
sem duvida maior pelo que calo, que pelas que disse. A posteridade o verá
quando o tempo que tudo devóra dilacererar (sic)
o veo que as encobre, e quando não restar outro enteresse mais que o da
verdade. \Sentar/
Athe
qui não falei só de minha cauza, mas tambem em geral que muitos em si tem
conhecido, sendo hoje o dia em que esta Luminoza fortuna liberalmente concedida
toca todos na abertura de hum estudo que he o agregado de todas.
A
antiguidade sagrada a testemunha. \Entre/ os Hebreos que ricos momentos havião,
Sñr.! Entremos no templo, e de pois de respeitarmos a Arca da Aliança, sagrado
deposito das pedras da Ley escrita com o dedo de Deos no monte Sinai, e junto
della admirarmos a Vara de Aron em memoria das rebeliões dos filhos de Jsrael,
e o maná do dezerto em testemunho de os alimentar 40 annos: no dezerto voltando a vista a ella se
offrecem 48 cidades do uzo dos Levitas enriquecidas de veneraveis monumentos
que fazem o respeito de Jsrael para quem seos grandes Reys coroavão tambem o
monte Sion com tam famoza Universidade que S. João Chrysostomo chamou desdakaleion thzghz (?) Universidade do mundo. Most. tom.
1º. fol. 136 O sacerdote Heli que ensinava os primogenitos dedicados a Deos,
Samuel, Helias, Eliseo, que homens, Sñr! Elles tudo sabem, tudo podem; porem a
guarda das antiguidades nas suas escóllas provão a verdadeira Religião.
Religião Sagrada onde Deos mandou guardar os testemunhos dos seos \antigos/ prodigios. Religião que conservando
seos antigos escritos se autoriza na mais avançada antiguidade do mundo. Tanto
se empenhava seo zello a favor das letras que toda a Mocidade as estudava da
idade de 6 annos nas escóllas que havião em todas as cidades e Provincias.
E se
da Palestina nos transportamos á Grecia que toda esta à immitação daquella hera
hum Museo: que magnificencia /fl. 3/
\Sñr/ de escollas de Athenas? Ali a Academia de Platão, o Peripato de
Aristoteles, \Palladio, e Odeo/ o Museo Alexandrino que continha em si hum
Templo com seo sacerdote, dotado antiguamente de incrivel riqueza, e
patrocinado por Cezar e mais Jmperadores, que sendo Barbaros: pelos uteis cuidados
da instrução da Republica, durão the hoje seos elogios, que justamente
merecerão por acções \Fabricio fol. 658)/ sempre louvadas. Fação embora os
Monarcas trofeo do seo poder, gloriem se nas suas vaidades, que o zello da
felicidade publica tambem dos Barbaros honra a memoria.
O
Museo da Trezena em Roma, o de Octagono em Cpoli (?) onde se mantinhão doze
Mestres postos por Constantino Magno: Tudo isto, Sñr, que ouvis dizer = Muzeo =
herão escollas geraes que se governavão por Mestres, e encerravão Livrarias com
todo o genero de objectos em que se podia estudar. Ali, digo tudo, o milhor
livro, todas as memorias dos tempos, todas as preciozidades raras da natureza,
e do ingenho das siencias e artes dos homens se guardavão para nelles se
aprender o que não convem ignorar.
\Legi
pontius fol. 190/ No estudo das raridades dos engenhos não se considerão os
metaes, e pedras nuas; mas illustradas com varias figuras, emblemas, symbolos,
typos, incripçoes com que a recreação do estudo anda sempre unida. Nada ha mais
agradavel do que ver os retratos dos antigos Heroes, contemplar enigmas,
conhecer Tropheos, ver as façanhas e louvores deixados aos seculos: e de que
nasce a utilidade de com esta lembrança excitarse o dezejo de immitar aquelles,
a quem o mundo deve honra, e a posteridade veneração, e a historia o seo
esplendor. Estes documentos tam respeitaveis são a testemunha dos tempos, luz
da verdade, vida da Lembrança, mestra da prudencia, e correios da antiguidade,
que acendem luzes da Historia, e guião para a exacta chronologia. Estes são os
nobres motivos, que moverão ao Emperador Carlos 4º. a estimar a antiguidade, e
com proprio exemplo ensinar seos vindouros. Os Medicis a quem as letras são
eternas devedoras ensinarão a estimar a siencias; qual outro Paulo 2º. que
sendo o primeiro instituidor das Academias ou Escóllas geraes, logo na primeira
vista conhecia nas Medalhas de quem hera a Jmagem cunhada. Estes preciozos
cuidados se extenderão tambem aquella brilhante tocha que apenas se vio logo /fl 3v/ dezapareceo digo, o Sto. Papa
Clemente XIV que ajuntou aos seos estudos a gloria de edificar em Roma hum
Magnifico Museo continuando por este Pontifice reinante, e enrequecido das
milhares estatuas antiguas e ricas peças compradas a todo o custo, onde passei dias \me recreava/ Lendo e
vendo antigas Jnscriçoes colocadas pelas suas idades, e imbutidas nas
paredes daquella espaçoza casa, que para della se fazer idea, vos basta dizer
que he dentro do Vaticano , onde tudo he o
milhor o maior, e milhor que ha no mundo!
Ali,
Snrs., se vê hum livro aberto escrito em folhas que não roe a traça do papel,
nem pode contrariar a penna do Louco Filozofo. Eu não temo ajuntar o incenso iguaes louvores, \cujo/
{cujo} incenso colho do altar da
verdade, á Universidade de Turim, corte de El Rey de Sardenha pois do
altar da verdade colho todo o incenso que queimo sobre a memoria onde não posso decidir se aquella Universidade honra mais
as Jnscrições Gregas antigas que
estima dentro dos seos claustros, do que
ellas acreditão. Jgual memoria \consagro/ á Universidade de Sena, que como as
mais tem sempre sua livraria patente, suas raridades publicas, que tanto ellas
\em si/ como seos Bibliothecarios, pelo seo belo modo encantão a todos os
sabios.
Aqui,
permitime, Sñr, que recolha em mim novos alentos para vos reprezentar
conferindo o que só S. Exa. tem excedido a muitos ricos Monarcas, e vereis que
hinda sem roubar couza algũa da lizonja ficarei devedor á verdade.
/fl.
4/ magnificencia no Museo
d'Alexandria dotado antiguamente de incrivel riqueza e patrocinada por cezar e
mais Emperadores, que sendo Barbaros, pelos uteis cuidados da instrução da
Republica, durão lhe hoje seos elogios, que juntamente merecerão por suas
acções sempre renovadas. Fação embora os Monarcas tofeo do seo poder, gloriemse
nas suas vaidades, que o zello da felicidade publica athe dos Barbaros honra a
memoria.
O
estudo do Museo he hũa dispozição para qualquer homem ser completamente Sabio.
Hũa raridade deve preparar o animo para outra raridade. Hera percizo que o
Exmo. Sr. Bispo de Beja, de quem somos fortunados subditos, preparasse hum
Museo para ver nascer ingenhos raros deste fecundo paiz. O ceo o destinou para
ser o primeiro fundador do que elle foi o primeiro Mestre com grande estudo, e
erudição muito profunda.
Emfim chega o dia que o Altissimo
predestinou do principio do mundo. Aparece em Portugal hum Heroe que só dá
passos para honrar os Altares do Eterno, aparece brilhando no tempo da nuvem,
como hũa estrella no meio das trevas. Eu busco desde os primeiros dias do mundo
hum homem que em Portugal offrecesse hum publico Museo: busco-o entre o
Monarcas, entre os Prelados, entre os Nobres e ricos. Porem innutilmente o
busco. O Exmo. Sñr. Bispo de Beja he o primeiro que o conhece, e o primeiro que
o faz conhecer. Elle he quem primeiro faz com groças despezas transportar das
trez partes do mundo desconhecidas curiozidades, busca raridades da natureza
nas entranhas da terra, e ajunta toda a antiguidade dos mais remotos seculos, e
entre estas fadigas elle he o primeiro que faz ouvir em Portugal estas
consolantes palavras. = Eu vos offreço hum rico Museo para que tambem estudeis
nelle, meo disvello merece o vosso reconhecimento = Ex aqui aquellas coizas que
estavão no meio de vós, e que vós não conhecieis, he hũa lúz de conhecimentos e
de saber. Essas pedras quebradas, dinheiros pizados, letras desconhecidas, e
peças dezenterradas são preciozos meios que conhecendo-os vós sabereis o muito
que se ignora. Que glorioza, Sñrs., que glorioza vos parece aqui a Siencia /fl. 4v/ e amor do nosso Prelado? Que
singular privilegio vos parece termos tão preciozos conhecimentos dos quaes
muitos carecem? O exceder os nossos antigos, e instruir os prezentes, o ser
Prelado e amarnos mais do que Pai? Sim amarnos mais do que Pai. Porque que
cousa há tam remota de toda a nossa utilidade que S. Exa. não tenha cuidado em
dar e offrecer?
Mais
illustrado, milhor inclinado que os mais, elle não se considera no grao de huma
inutil authoridade vaidoza; mas sem perder o decoro, elle se considéra na
caridade Apostolica, Mestre da Jgreja em todo o genero de prestimos ja na
atractiva e doce palavra, ja no sabio e erudito Escrito, Logo no exemplo das
virtudes, e emfim dando a todos o milhor do seo ter (?).
Entre
tantos vantajozos projectos em que S. Exa. excede a todos os mortaes,
prezentemente este me arrebata. Em hum Museo há hũa siencia que encerra todas
as outras. Os Sabios a conhecerão mais claramente do que ao commum dos homens
he permitido, e com tudo este conhecimento he raro. Os Sabios o respeitão e
venerão, inda que não se possão aperfeiçoar. Quanto mais elles estudão, tanto
mais dezejão saber. He hum labyrinto de encantos em que a rezão se acha e a
alma se illustra, e a Religião triunfa.
S.
Exa. he o primeiro para quem esta grandeza deixa de ser grandeza. Este abysmo
de variedades em que o espirito humano se dilata e abstrahe, hé hum pequeno
passo da sua longa carreira
Vós me
pre[[ve]]nis, Srs., ja vosso espirito vos
tranporta dentro de hum Museo. Já vos parece \ver Jdolos por que antigamente o
Demonio forão oraculo vivo./ ler as antiguas Jnscrições, ver Urnas, ver
gigantescos pedaços de colossos cuja perfeição faz saudozo dezejo dos restos
que não aparecem, entender Medalhas, e contemplar peças exquizitas na natureza na Arte, admirar as diversas
produções da natureza, sua força ligada na perturbação dos monstros, e sua
belleza na ordem perfeita.
Já vos
parece ver todas as siencias e Artes, mas que espectaculo! Todas estas cousas
vos dizem = Estas \são/ as siencias e Artes /fl. 5/ e o objecto do homem Sabio e perfeito. Aqui a origem, e
authoridade da Religião, a historia sagrada e profana, os Jmperios, os cuidados
e custumes dos homens, suas Artes, o gyro da natureza tudo se faz vizivel: tudo
se vê nestas figuras. \aqui os Jdolos múdos estão confeando ser verdade o seo
silencio que escrevem os gentios, e christãos depois que Christo nosso
Legislador veio ao mundo./ Que conhecimentos! Que dezenganos! Que beneficios!
Concebei o que eu não posso explicar. Os pensamentos excedem a expressão.
Hum
homem lê hũa Jnscripção Phenicia, ou Grega, conhece um testemunho, e ouve hũa
voz que mudamente lhe brada, que alem de ser verdadeira a sua antigua
existencia, he aquillo que ha de mais mysteriozo, e occulto nos livros sagrados
na ordem humana referida a couzas Divinas
Para
mostrar dignamente este ponto me vejo a servirme da minha experiencia.
Sabemos
que a lingoa mais antiga e universal do mundo foi a Hebraica, e que na Historia
Sagrada se cantão as victorias de Josue, e a possessão da Palestina, e se fala
dos Phenicios. Tudo isto confeça o Judeo, concede o Mouro, mas negao o
insensato Materialista. Ex aqui por muitos milhares de annos, entre matos
pesavão sobre os montes do campo de Ourique, pedras Phenicias, cujo gloriozo
descobrimento rezervou o Eterno aos cuidados de S. Exa., e boa satisfação de
quem as buscou.
Gloriozos
Padrões que feliz o vosso descobrimento! A Divina Providencia vos fez
invisiveis á furia de tantas Nações, e perservando-vos do tempo devorador, vos
destina ao poder de quem vos bem estimasse, e fizesse ver em Portugal hum dia
mais bello que o do triunpho do Conquistador da Azia em Babilonia. Ditozos os
que vos entendem! Eu vou respeitar a vossa antiguidade reconhecendo nella
muitas verdades da Sagrada Escritura. Ah! aqui descubro a lingoa Santa em
diversos caracteres! Que vitoria contra o Materialismo presumido! Que immensas
Lembranças, e sagradas especies tocão a minha alma! Seria este o paiz de Ophir?
Não sem fundamento o presumo. Esta he a obra em que os raios da verdade
penetrão mais o discurso. Eu volto á Lingoa Hebraica. Certamente esta lingoa hé
aquella que foi unica e universal inda depois da confuzão de Babel; posto que
com diversos dialectos a ella semelhantes, e com differentes caracteres. Neceçariamente
E por hũa consequencia neceçaria a ella pertencem a Ethyopica e Arabica como
ramos /fl. 5v/ da mesma arvore
vestidos com \folhas/ diversas folhas.
Os descendentes de Chanaan que habitarão depois a Palestina; aquelles de Jactan
que povoarão a Arabia; os outros de Heber Pai dos Hebreos e de todo o povo de
Deos: estas \Thomassin V Tom. fol. 26/ tres grandes familias, não herão em tudo
mais que tres lingoas tam conformes com a dos Chananeos ou Phenicios habitantes
da Palestina; que quando por obedecer as ordens do ceo Abraham, Jsaac, e Jacob
se forão estabelecer; estes tratarão com elles e foram entendidos sem
interprete. Seos nomes, os de suas cidades se conformavão reciprocamente com a
lingoa Phenicia, e Hebraica tendo os dirivados com as raizes primitivas.
Logo
isto no fundo he a mesma lingoa com diversos Dialectos sem perder sua unidade. He perciozo julgar o mesmo da Arabia que he outro dialecto que com largo tempo se
extendeo mais infinita não perdendo a similhança do Hebreo; porque temos nós
huma Biblia de puro Hebreo, cuja lingoa se não falou mais de dois mil annos; e
ao contrario o Arabe se tem falado mais de outro tanto depois, escrevendo-se
nella infinidade de Livros
O que disse da Arabe se deve entender
da Syriaca, Chaldaica, e Ethyopica que durando muitos seculos inda se referem
ao Hebreo.
E não
vemos, Srs, todas estas reflexões autorizadas por hua antiguidade? Porem se com
toda esta multidão de noticias eu me tenho demorado, foi talvez em couzas
menores do que vou a dizer.
Hera
nos primeiros seculos do tempo, quando os Phenicios primeiro que todos
principiarão a povoar as costas do mediterraneo navegando os mares de que herão
vezinhos. A Africa e a sua Carthago; e Europa e a sua costa de Hespanha lhe
devem seos primeiros povoadores, seos nomes dos rios, montes, e terras, que o
tempo sempre respeitou com igual fortuna dos seos dinheiros, e pedras que fazem
a honra dos dias prezentes. Dias augustos, em que descobrimos armas de bronze
dos mesmos Phenicios! Que testemunho mais sincero
\autentico/ quando a verdade evidentemente approva!
Mas
que necessidade tenho de louvar as cousas antiguas quando de mais perto dellas
recebemos influencias puras e luminosas dos primeiros Xéfes que as communicarão
athe o dia de hoje em que renovo sua memoria?
Taes são, Sñs, as pedras Phenicias onde
se contem o que há de mais maravilhozo para formar a historia do principio
Legislativo da nossa Nação, e conhecer a origem pura de muitos /fl. 6/ custumes actuaes, divizão das
Jurisdições, autoridade e poder dos conselhos, ou camaras nos seos territorios,
e o principal cuidado e obrigação que nelles exercião.
Apartai,
Srs, de vossos entendimentos aquellas ideas que {que} a Justiça tirana e depravada por ambição se fáz horrorosa,
impia, e veneravel. Deixai aquelle cruel monstro e aborto vestido de cordeiro, que com pretexto de defender a
inocencia, he o seo mais feróz aggressor.
Vede
agora a candura da primeira humanidade, a inteireza da sua vigilancia, e o
dezapego de se nutrir com as dezordens dos homens. Que humanas intenções! Que
páz publica? que segurança! e que
efficacia em conservar o socego!
Ex
aqui a primeira lingoa do homem hoje nos clama os primeiros juizos e decretos
da natureza. A felicidade publica he a primeira Lei-Salus publica prima Lex-sit
Lei fundamental que inda o Gentio não renunciou
Sim,
com mais prov[[j]]dencia ella está gravada em hum grande
padrão mandado fazer pelo Concelho que prohibe altercar ou bulhar nos
ajuntamentos da gente na jurisdição
dos seos montes. Ah Srs. não vos parece este o caminho para chegar ao fim que
se dezeja? Como se conseguirão o sossego publico sem se precaverem os meios
\que o arruinão?/ Respeitaveis Legisladores, vós \praticos/, soubestes conhecer
por onde se chegava ao fim do socêgo do homem; prevenistes, as occaziões, e
conservastes vossos montes tam graves, que muitas cidades que hoje usurpão o
nome de polidas, para bem o merecerem, inda lhe falta imitarvos. Que gente
aquella, Sñrs.,! Gente Civil, e cortêz que praticava nos montes, o que hoje se
não conhece \muitas vezes/ nos nossos lugares
Sagrados Lugares. E se cuidará inda que os primeiros homens herão simples? Não,
Sñs., as suas Leis não estavão escondidas, nem se vendião; elles as fazião
publicas e eternas nos dias dos Seculos, e todos as vião assim como as vião,
tambem sabião ler para as guardar.
Athequi
chega o zello dos Legisladores quando só pertendem que o homem seja feliz, e
não fazello injustamente Reo de hũa Lei escondida (riscado) e[[mbrulhada]] em [[sombras]]. [[O]]s primeiros homens mais illustrados, e
menos /fl. 6v/ e menos presumidos,
mostravão assima a todo o passageiro nas entradas dos respectivos districtos as
Leis dos seos territorios. Governos praticos, quanto differia daquelles
filozofos que não sabendo arranjar suas cazas querem desgovernar as de todos!
A segunda pedra contem outra Lei em que
se manda aos que transportão fazenda ajudem a aplanar o caminho do monte. Nella
se vê como os Phenicios seriamente cuidavão na publica felicidade zelando os
caminhos para a communicação dos homens, o que prosseguirão os Romanos, sem que
extorquissem dinheiro dos pobres para
outro fim o dinheiro das gentes debaixo de hum pertexto que nunca se cumpre.
Não
herão Senhores, estes primeiros homens gende de provar a paciencia nem nos
despachos de requirimentos; não pertendião que o aggressor tivesse algum
direito de offender, e o agravado o perdesse na propria defeza ou na honrada
sociedade humana. Portanto mandavão ali prender Deter logo qualquer criminozo o que hera indigno da \não merecia ter/ liberdade Vede Senhores que antigo
he mandarem os Superiores e o obedecerlhe. Envergonhense aquelles delirantes
que hoje no mundo [...] o systema de igualdade, e não contentes com a sua sorte
envejão a dos mais, pervertendo o respeito da natureza, a veneração as
Jerarquias da Jgreja, e republica, o decoro ao mericimento, a estimação as
pessoas, a caridade ao proximo, em hũa palabra querem fazer hum mundo
filozofico povoado de confusões, e governada por dezordens.
Entre
estas leis eu ajunto outra da humanidade seria que se ve escrita em hũa pedra onde \debaxo da qual havia hum estoque
de bronze/\e nella/ se gravou hũa seta e dis que o concelho militar daquelles
montes por aquelle sepulchro a hum benemerito Militar Thenham (?). Já he claro que cada concelho \districto/ tinha os
seos militares sua tropa para defender e servir
promptamente.
Conhecimentos
pomposos, especies brilhantes nada falta para nobrecer a antiguidade destas
pedras quando outra do primeiro Grego inda
\mixto/ com alguns caracteres Phenicios dis que Beja foi cultivada \e povoada/
pelos A[[ssy]]rios.
Ex
aqui hum sabio \autentico/ resto do
governo do primeiro genero humano tam Sabio que em padrões publicos gravava as
Leis para todos as verem. Leys de estillo tam puro, que os mesmos Romanos o
imitarão nas suas 12 Taboas
E que
fizerão estes homens que escreverão para sèculos e milhares de annos, se
ninguem os entendesse? Não, Srs, o ardor do seo espirito não podia subministrar
rasgos mais nobres e magnificos para a posteridade respeitar o maravilhozo modo
com que se governarão os primeiros homens no mundo.
/fl.
7/ \pensamento sonhado/ Eu me honrei thegora honrando a antiguidade, e
deixo este seculo á posteridade, e a posteridade neste seculo.
Agora,
Srs., demoremosnos naquelles primeiros dias superiores aos que lhes succederão,
no ingenho das Artes, na perfeição das Jnscripções, das noticias dos Governos,
riqueza e fortuna do paiz, das cerimonias dos Ritos, da precioza Memoria dos
Martyres, e da vitoria da Religião. Aqui, Snrs., aqui que notavel traço da
antiguidade desta florentissima cidade me contribue materia para hum magnifico
quadro se o tempo e as forças do meo ingenho me não faltarem?
Eu
falaria de huns homens que nas suas obras verão
\antevirão/ de longe os dias de muitos seculos, e que para elles se preparavão
com ingenhozas artes. Eu vejo estas ruinas subterraneas que fumegão grandeza na
idea, perfeição na arquitectura, riqueza no adorno, em que se pode estudar o
uzo das artes, e para recopilar tudo junto: esta Beja inda rica de preciozos
monumentos de inscripções, e estatuas, e edificios, e que há muitos mil annos
inda não cança em as amostrar. Cidade affortunada que deve toda a sua grandeza
ao cuidado com que S Exa. guarda seos restos, em que se admira o passado, e
estimasse o descuberto, e dezeja-se o que se não goza. Suas maravilhas
interrompem seos elogios. As couzas preciozas se perdem quando se não estimão,
e confundem com as despreziveis. Oh quizesse o Ceo que a esta franqueza
correspondesse a curiozidade dezenteressada buscando os escondidos despojos.
Beja,
não disse couza algũa da tua grandeza sepultada, se algum dia te vir a lúz,
então folgue minha alma, se houver quem avance esta barreira.
Porem
tempo he ja, Sñrs., de que na lição das Jnscripções não só se \conhece a
historia/ se conhece, a verdadeira
ortographia de escrever; mas tambem a fabula do Paganismo pela qual se
illustrão muitos lugares da Escritura. O nome do Seholo Thamuz em Ezechiel, S.
Jeronimo o tira da fabula de Adonis, e da mesma vertem Theodocreto (sic), e S. Cyrillo o Capuit. 18 de o texto do Capit. 18 de Jsaias = qui mittit in mare
legatos, et in vario papiri super aquas. o que inda no tempo deste ultimo Padre
praticavão os Alexandrinos. S. Jeronimo na carta a Magno orador prova que na
Escritura há muitos lugares tirados pela noticia dos Gentios. Nomes mo convem
Theodoreto nos 10 Li[[v]]ros do Cuidado dos Estudos Gregos, e
Euzebio, e Sto. Agostinho nos livros
/fl.
7v/ Eu falo aqui de hum verdadeiro Christão que não tem outra guia mais que
a Religião, que não segue outras Maximas que as do Evangelho e que seguindo não
o seo interesse, mas a sua obrigação, e referindo todas as couzas ao seo
principio conserva a Religião pura, e acha a Deos pois o busca por elle mesmo.
Se vos lembrares do povo de Jsrael direi com a sagrada Escriptura que não só detestava
os Jdolos do Egypto; mas tambem levou o ouro e alfaias por authoridade Divina
para o serviço do Deos verdadeiro. Assim não há só na Gentilidade mentiras e
fingimentos que devemos detestar; mas tambem artes liberaes para o uzo da
verdade, e uteis preceitos morais, em que se achão alguns a respeito de adorar
hum só Deos. Estes deve o Cristão recolher para o uzo do Evangelho, como
preciozo ouro e prata, não feito por elles, mas depurado dos metaes que a
Divina providencia semeou por todas as partes, e que elles injuriozamente
abuzão para obsequiar o Demonio.
Que
dourada eloquencia em S. Cypriano alma da erudição e Martyr de Christo. Quanta
brilha em Lactanceo? Victorino, e Hylario? Moyséz mais antigo \que sendo/
instruido em toda a siencia dos Egypcios \caminhou para a contemplação de Deos/
faz concluir que se não ha de regeitar a externa erudição da Escriptura.
Os
tres Mancebos, [[c]]omo refere Daniel, \e elle mesmo/ forao eminentes nas siencias a todos os
chaldeos sem deixarem de penetrarão
as doutrinas Divinas.
Origenes
asim empenha todo o seo zelo na Homil. 2ª do Exod.
Eruditio
ista communis rationabilis scientiae omnes instruit, omnes fovet, siquis in ea
virilis animi fuerit, et voluit coelestia qu[[ae]] (?) rere, et Divina sectari, veluti
medicatus et fotus per ejus modi eruditiones, ad divinorum intelligentiam
paratior venit.
Deixo
aos estudiosos S. Jeronimo na expozição do filho prodigo, e passando a S.
Basilio na expozição de S. Paulo aos Corinthios cap. 8. v. 1. podereis sondar
nelle suas intenções.
/fl.
8/ Jn libris gentilium, veluti in umbris quibus dam et speculis, oculos
nostros aliquandiu exercitabimus, eos immitantes qui in gymnasiis se exercent,
et manu pede que instructi, postrorodum utilitatem, ex qjus artis disciplina,
legitimo certamine reterunt: et nobis quoque proponi certamen maximum arbitrari
aportet, et omnibus viribus ad hujus preparationem laborandum.
Por tantos motivos devemos uzar de todos os escritos donde para a
edificação do espirito nos provenha utilidade.
A immitação dos tintureiros \como dis hum Sabio/ que com certos preparos
compostos dispoem para a cor: assim nós primeiro dispostos com taes exteriores,
facilmente entenderemos varias couzas sagradas. Hũa profunda intelligencia faz
ver que hinda que não concordemos com os gentios a sua noticia muito aproveita;
\e ao menos/ poes conferindo-os, se
pode distinguir a differença; por que a comparação do inferior para o milhor
não he de tam pouco quando muitas vezes as couzas pequenas juntas fazem ornato
ás maiores.
Estas reflexões duplicão o ardor da materia ao modo das folhas que ornão
os ramos, inda que destes pendão fructas formozas. A mesma \siencia/ alma que he o mais delicado fruto, sendo
rodada de \erudição/ siencia
exterior, esta como ramos e faz agradavel a vista.
De tudo isto, Srs., conheço que não vos posso dar mais nobres ideas das
que vós mesmos tereis formado destes Heroes. Elles abrirão o caminho
mostrando-nos a certeza do fim sem se depravarem nas siencias. Como abelhas que
utilmente vizitão as flores tirando só dellas o seo melificio, assim devemos
uzar do estudo da fabula que nos for proveitoza, rejeitando o innutil, como
espinhos das flores que colhemos.
E que util he ler os Escritos dos Gentios para com elles confirmar [[San]]tas verdades, e
tirar provas dos inimigos a nosso favor? Desta sorte como dis S. Bazilio a
Religião Christam se \autoriza/ nas siencias externas, como as vides em
diversos esteios. Tal he a [[Car]]ta de Plinio a
Trajano 2; 6. 10. (?) a respeito do
carater do christianismo em \onde/ descreve aos Christãos ligados com
sacramento para não fazer mal, nem furtos, [[ou]] latrocinios,
adulterios, perfidias, ou negar suas
dividas [[a]] seos acredores.
Que victoriozo credito dado pela boca
da Sagrada \nossa/ Religião tirado da
confição escrita p[[or]] nossos \seos/ inimigos?[ii]
/fl. 8v/ Que admiravel estudo das
Jnscripções dos Gentios! Em cada hũa dellas se encontra hũa faisca da rezão
natural. Que Luminozas impressões fazem na alma, e que fecundidade nos
pensamentos os Epitaphios sepulcraes! Nelles se ve arraiar a [[L]]u[[z]] da immortalidade
da alma, e a existencia da Divindade que lhe prezide. Ali aparece o premio
figurado nos campos Elisios, e o suplicio no Tastaro (?), como disse Virgilio.
Haec Manes veniet mihi fama subimos
Ali recalca a expiação e suffragios pela alma do cadaver a quem o
respeito natural, o amor mais firma, a gratidão mais reconhecida, e a caridade
mais terna \a saudoza/, eternizasão do modo mais grande reciprocas Memorias
desde as entranhas athe a face da terra.
Já vedes, S<r>s., brilhar nestas
pedras os fundos de Religião unida com os effeitos da natureza mais santa pura.
Zombe Voltaire das sagradas expiações confundindo-as com as dos
incircumcizos; que se \estes/ errarão pelas não saber santificar: eu me
compadeço mais de hum homem que não se conhecendo, nem vio entre si a Luz que o
cercava. Cegueira fatal deste seculo, que athe arruma os espiritos insensatos
no triste estado \canto/ de serem
criticos dos talentos alheios sem conhecer a fraqueza dos proprios. Fraqueza em
tudo desprezivel sem talento para conhecer os talentos provados. Mas deixemos
lhe a gloria de quererem por
afrontarem \deshonrarem a mesma gloria/
Talvez, Snrs., \§/ cuidareis que está distante o triunfo da Jgreja pelo
testemunho dos Martyres? Entremos nos seos retiros, e a[[chall]]os heis sempre
victoriozos. Esses Jmperadores carniceiros, Monarchas Jmpios, homens dissolutos
tudo maquinarão, nada se lhe escondeo para extinguir o Christianismo. No meio
desta presumpção, levantão padrões gravando nelles imaginarias victorias, e
consum[[ão]] seu erro com
sacrificios horrendos.
Não se vos figure, Snrs, que a Jgreja estava extinta ou tam pobre como
hoje seos filhos ingratos a dezejão fazer. Esta alma casta nunca teve mais
certa sua victoria do que no mais cruel perseguição
\sanguinolento combate,/ nem será mais rica e opulenta do que a inveja, e
ambição tentar saquealla. Ah! ex aqui a abominação no lugar Santo. Qual he o
delicto que cometeo nossa May? Acazo he por nos lavar da mancha, recebernos nos
seos braços apenas nascemos; ensinarnos a Ley da Salvação, e orar por nossas
fortunas e almas, e socorre[[r]]nos nas \em/ nossas nececidades, a cujas
portas então sempre himos bater? Se fosse hum inimigo, hum Jdolatra sobre quem
não resplandeceo a luz do Evangelho que fizesse esta affronta o golpe não seria
tam sensivel: mas os geradores na Jgreja,
/fl. 9/ filhos da adopção, e herdeiros
do ceo, e participantes da graça: aquelles a quem Christo fez carne da Sua
Carne, ossos dos seos ossos, e Sangue do Seo Sangue, e se os membros para os
unir mais inteiramente a si! He possivel que sejão estes os que tentem reduzir
a mizeria os Ministros que sempre orão por elles, e são os instrumentos e
medianeiros por quem o Sñr. chama a todos para o seo Reyno! Ex aqui o que me
fez interromper as persiguiçoes antigas da Jgreja minha cara May, que vou
continuar. Depressa o Jmperador Diocleciano Solicita deixar á posteridade hũa
eterna Memoria do seo engano gravando a vam gloria de ter extinctos os
Cristãos. Este padrão que faz mais honra \ao cristianismo/ do que fez de improperio \vilipendio/, nós [[o]] devemos aos
Antiquarios, que acrescentarão novo splendor a Religião onde se conhece o que o
ceo fez pella Jgreja, e esta por elle.
Na verdade o sangue dos Martyres sempre foi semente do Christianismo. E
se o tempo, e depravação de doutrinas tentão offuscar verdades Santas, os
Antiquarios, como Anjos de Deos deputados para renovar sua gloria, buscão,
descobrem, e guardão preciozos momentos tam duraveis como os dias do mundo.
Adoravel expectaculo me offrece o cuidado dos dias de hum Antiquario!
Sigamos com effeito os passos que se encaminhão a saber as couzas occultas, e a
resplandecer a Religião Sagrada. Vejamos quando esta alma privilegiada na sua
carreira entre muitos sepulcros abre hum onde descobre inocentes ossos
penetrados de ferros, o vazo com sangue, e os instrumentos da final separação
postos aos péz. Elle ve tambem as pedras, reconheceas, e lendo a Memoria, se
arrebata com suspiros \prazer/ dá
graças ao ceo pelo deixar descobrir hum gloriozo cadaver em que o cheiro da
santidade se gosta. Taes dão os sepulcros dos Martyres onde se pode estudar o preço \da vida eterna,/ a decencia e
zelo, que honra aos que deixarão estes sagrados depozitos, cujo [[preço]] reconhecem os
Sabios, e he recompensado por Deos. Eu, Snrs, confirmo este pensamento com o
que vi em Roma deste genero de descobrimentos asim da antiguidade sagrada, como
profana. Mas não hes tu unica Roma, hũa nova vai edificando S. Exa. nesta
cidade de Beja onde ja \dois/ antigos padrões se lem em que se faz piedoza
Memoria de Sacerdotes recomendaveis
Sacerdotes. Nunca ficarão, Srs., sem satisfação do Ceo tam saudaveis
diligencias Ah, Sns., neste paiz onde, sem affetação, direis que podemos beijar
o chão, muitas e muitas vezes regado com o sangue de Martyres, que em tantas
sanguinolentas perseguições o derramarão: quantas destas maravilhas Sagradas
terão sido desconhecidas por falta de curioza diligencia?
/fl. 9v/ A ignorancia não guarda tudo o
que pertence a Jesus Christo, e a Seos Santos, a Seos Altares, e a seos
Ministros; os quaes ordinariamente o mundo só estima por qualidades bem fracas,
olhando muitas vezes por innuteis, abatendo asim o Sacerdocio de Jesu Christo,
e passando assim da pouca estimação do Ministro ao pouco respeito do Ministerio
\, e desprezo das couzas Sagradas./
Eu não me atrevo a vista de hum sepulcro, fatal jazigo das cinzas
humanas, a face do ceo e da terra Tirar vaidades do seculo, mas sim instrução
para os costumes e siencias, dezengano da vida, e [[gloria]] à Religião.
Nestas curiozas \uteis/ solicitações
aparecem monumentos de tal arte e siencia; que quanto mais engenhoza em se
occultar, tanto mais os curiozos devem ser attentos em as descobrir.
Eu bem sei que a S. Exa. se deve há muito tempo, o ouvir retumbar com
respeito o nome da Antiguidade no Alentejo. As suas diligencias fazem admiração
na Europa, e queira Deos que todos se imflamem em a descobrir attentamente sem
que os tenhão intereçadas intenções, que com sinistros pretextos soffocão
grande honra de Portugal, e esplendor da Religião.
Eu devera tambem tratar da outra parte d[[o]] estudo do Museo
que he a Natureza. Mas depois de S. Exa. ter escrito com a mais alta Sabedoria
sobre os estudos Fizicos do seo Reverendo Clero, tenho a honra de repetir compendiozamente
a sua \Descobre a cabeça/ a Sabia e
Religioza vóz = A natureza tudo fala entre si com consonancia, que bem merece
toda ella nossos cuidados. O entendimento nestes assumptos he gloria para Deos,
he ruina da ociozidade, Sabedoria que recomenda as pessoas dotadas desta
virtude, e utilidade para o publico. Justamente se emprega que ve pela
natureza, e respeita a providencia Divina. S. Bazilio dis que hum feno e
qualquer herva, pode exercitar toda a alma meditando sobre a arte que a
produzio. Os homens Apostolicos tam bem uzão de conhecimentos naturaes para
servirem a seos pensamentos de doutrina Religioza = Esta vóz de S. Exa. eu lhe
chamo voz prodigioza: vóz que depressa se faz ouvir no meio do fundo do coração
humano: vóz formidavel que, fará desmaiar toda a contradição. O estudo das
produções /fl. 10/ da natureza
depois de ter sido hũa virtude util, passa tambem a ser hum exemplo de zello.
Assim se evita a Jgnorancia em huns, e a superstição em outros. O povo groceiro
se submerge na ignorancia por que não sabe: os ricos perguiçozos se entregão ao
ocio tanto mais livremente quanto menos sabem. Porem o Eccleziastico que
conserva o seo esplendor, já não ama couza mais respeitavel que os
descobrimentos \da oculta/ verdade. oculta.
Pela siencia da Natureza o Eclesiastico se prepara para aparecer no mundo. Ex
aqui hum homem cujo coração he o centro do saber. Nelle se vem dois corações
unidos, que só a ignorancia sepára. Lembrando do que deve a si mesmo, não se
esquece do que deve ao proximo. Os seos dezejos ordenados são a regra da sua
conducta; e por que hum util trabalho lizongea seos cuidados; elle se faz
autorizado para os fertilizar. Elle produzirá aquelle segredo que está nos
Lyrios do campo, que crescem com natural liberdade. No silencio do seo estudo
ouve a maravilhoza natureza; nada se demora em lhe aparecer, tudo vem a sua prezença.
Que expectaculo! Aqui vejo hum homem zelozo que trabalha em entender o que vê,
hum amigo da vida que ajuntando em si reflexões de experiencias, avança pela
numeroza siencia da vida. Já com hum concelho maduro descobre desconhecidos
segredos do bem e do mal. Que falta, Srs,! Se não que vos peça o mesmo que a
natureza vos está rogando.
A que alegre narração me conduz naturalmente o meo objecto!
A verdade declara-se, e a rezão triunfa. Que maravilha! Quebremse,
quebrense as prizões que hũa afrontoza ignorancia faz olhar com desprezo a
siencia da antiguidade Natureza, e
Antiguidade Deos Jmmortal! Esqueça-se a minha mão direita que isto escreve, se
eu me não lembrar de vos.
Eu bem digo ao
creador pelos conhecimentos que alcanço das suas esculturas admirando as graças
e enLeios com que tece a Lei da Natureza, e por ella reconheço hum Deos que
adoro.
Quanto minha alma me arrebate nos immensos espaços do ceo que me cobre,
tanto se abysma admirada no contrahido mais minimo que prizão meos pés. Tudo o
mais miudo na sua combinação e contextura me experta a idea de grandeza
infinita. Eu bem digo ao Creador pelas suas creaturas admirando as graças e
enLeios com que teceo a Natureza, e por ella reconheço a existencia de hum Deos
que adoro.
Quando vejo os Jdolos quebrados e mudos, então bemdigo o meo Redentor, e respeitando seos Divinos prodigios os instrumentos da firmeza dos Martyres, os
monumentos dos prodigios da Religião, e da confuzão de seos inimigos: /fl. 10v/ de seos inimigos, então por eu
não nascer entre Nações cegas, e viver na Jgreja com tam grandes Luzes,
agradecido a tantos bens bemdigo o meo Redemptor.
Quando noto nas Jnscrições dos antigos Barba[[ro]]s a Luz da
Divindade, a esperança da vida eterna, a industria das siencias Naturaes, e
suas bellas Artes, e virtudes moraes, e tudo isto escutado da natureza que Deos
deo ao homem para se justificar: então eu bemdigo ao Eterno por abençoar suas
obras que todas mostrão \apregoão/ a
gloria de Deos. \Levantado/
A vista de tudo isto eu lhe rendo infinitas graças por tão prodigiozos
conhecimentos com que me illustra que confeço dever só á sua piedade. Que
incomprehensiveis vossos Decretos! Eu adoro nelles impenetravel providencia, só
por este instante que desde a vossa eternidade marcaste no circulo do tempo,
para eu vos louvar no prezente.
Logo, Srs., vede se justamente devemos abraçar o estudo onde a instrução
do entendimento, o esplendor da doutrina, e o triunfo da Religião tem a
conveniencia mais util. Aproveitaivos, Sr., de hũa occazião que a grandeza de
S. Exa. vos offrece. A vossa diligencia decidirá a recompensa de hum bem de
tanto proveito. Deixai ao espirito levarse aos ultimos conhecimentos, e ver com
hum gosto virtuozo aquella historia da antiguidade, descobrir novas verdades,
penetrar segredos, e conhecer a industria do engenho humano engenho. Deixai a rezão aplaudirse da sua vitoria,
afirmarse nas santas verdades do triunfo da Religião, levantar os seos trofeos
sobre os inimigos vencidos. Deixai a creatura conhecer o seo Creador pelas
maravilhozas luzes da natureza nos brilhantes dos seo<s> chrystaes, na sua
armonia, e naquelles descuidos onde a negligencia mais casual contem maiores
admirações onde o mesmo desfigurado he a mais engraçada e encantadora figura.
Hum descobrimento prodúz mil descobrimentos. Hũa utilidade Lizongea. Hum
trabalho recompensa.
Sagrado Prelado que na cadeira Apostolica com viva e Evangelica
eloquencia consagra disvellos immortais pella instrução da sua Dioceze, V. Exa.
purificará os erros do meo Discurso.
Ouvintes Pacenses que experimentais os effei paternais effeitos do seo exacto
zelo, entoai canticos de aplauzos [[já quanto]] tão bem
\para vós/ encaminha suas ideas